“O NOSSO SONHO É TORNAR ESTE CLUBE CADA VEZ MAIOR”

O Futebol Clube de Gaia conta com 110 anos de história, onde vários são os momentos marcantes e várias foram as pessoas que por aqui passaram. Há 22 anos na presidência do Futebol Clube de Gaia, Aurélio Morais recomeçou o seu último mandato em janeiro deste ano.

Em conversa com o AUDIÊNCIA, Aurélio fala sobre o passado e o presente do clube, a Final Four Taça de Portugal e o mandato de Eduardo Vítor Rodrigues.

 

Quem é Aurélio Morais?

É difícil falar de mim.Vou fazer 68 anos. Sou um gaiense nascido no Porto, apenas fui ao Porto nascer (risos). Sou um bancário reformado e dedico a minha vida ao clube. Neste momento, sou um associado do clube que está a prestar a sua colaboração em termos de voluntariado há 32 anos. Cheguei aqui em 1985/7 porque tinha as minhas filhas a praticar ginástica. Cheguei e fiquei. A ginástica é uma modalidade que me é muito querida, porque foi nessa modalidade que eu comecei a dirigir o Gaia e ajudei, praticamente, a crescer a própria modalidade, numa época em que a ginástica desportiva do Gaia estava no auge nacional e, ainda hoje, isso acontece. Sempre estive ligado à prática desportiva, não como praticante mas sempre em termos de dirigismo. Como me reformei há algumas dúzias de anos, acabei por juntar o útil ao agradável. Faço o que gosto. Sinto-me ocupado, o que é fundamental para um aposentado. Apesar das preocupações e de todos os aborrecimentos que esta atividade traz, é uma forma voluntária de ajudar a comunidade e, no fundo, ajudar este clube que eu gosto.É uma coletividade que sempre respeitei e, no qual, acabei por me tornar presidente há 22 anos.

 

O Futebol Clube de Gaia tem uma longa história. Como surgiu o clube?

O clube nasceu em 1908. Faz este ano 110 anos. Tanto quanto nós conhecemos, por registos que existem, o clube foi fundado por um grupo de entusiastas do futebol porque, naquela altura, em Vila Nova de Gaia, não havia nenhuma coletividade desportiva. Esse grupo de jovens entendeu constituir um grupo de futebol que pudesse disputar encontros com os que já existiam do outro lado. Arranjaram um campo de futebol, que foi um aproveitamento de um redondel que havia na Serra do Pilar. A data oficial que consta é de 15 de agosto de 1908, mas não sabemos se foi precisamente essa data, apesar de os registos apontarem para isso. E, a partir daí, o Futebol Clube de Gaia começou a desenvolver a sua atividade ao nível do futebol.

 

Com 110 anos de história e com várias apostas em diferentes modalidades, atualmente, quais são as praticadas?

Basquetebol, andebol, futebol e a ginástica artísticas. Em todos os escalões. No andebol e basquetebol começa no 6/7 anos e vai até aos veteranos. É preciso manter a atividade depois de sair dos 30 e poucos anos. No futebol, estamos a recomeçar como começamos há meia dúzia de anos. Nós acabamos o futebol quando perdemos o campo por volta da década de 50, e, há 6 anos, recomeçamos a modalidade com 20/30 miúdos e, atualmente, temos 130 miúdos em escalões de formação quer no futebol de 7 quer no futebol de 11. Os jogos são todos realizados aqui, no pavilhão. Tem que existir uma grande coordenação por parte das modalidades. Só recorremos aos pavilhões municipais quando necessário mesmo.

 

Com as quatro modalidades existentes, quantos são os atletas?

Ao todo são 700 praticantes distribuídos pelas modalidades. O andebol e o futebol trabalham aqui e também no Pavilhão das Pedras, e também temos o Pavilhão Municipal. Distribuídos o trabalho de formação e competição das modalidades noutros pavilhões porque a quantidade de equipas e atletas não permite trabalhar só em dois pavilhões. Por exemplo, o andebol treina às 2ª, 4ª e 6ª aqui e 3ª, 5ª e sábados nas Pedras, o basquetebol faz o inverso. Isto não impede muitos outros escalões de estarem distribuídos por outras áreas. A nossa atividade é distribuída por várias partes dos concelho e sempre a crescer. Nós estamos numa fase em que nos custa muito dizer que não podemos aceitar ninguém mas se não tivermos capacidade de encontrar mais espaços para treinos não temos capacidade. O futebol está neste momento a trabalhar no Estádio Municipal. Tudo isto acontece com uma colaboração do Município de Vila Nova de Gaia. Todas as modalidades têm treinadores por escalões. Alguns técnicos estão a trabalhar graciosamente, outros paga-se a deslocação ou um jantar, e outros a nível de recebidos verdes. À vontade, temos 25 técnicos a trabalhar e, a maior parte deles, graciosamente. Assim como, todos os atletas das equipas seniores não custam um tostão. Em determinado momento, vimo-nos privados de utilizar o nosso espaço da ginástica devido às condições degradadas, e transferimos a atividade para as Pedras. Com ajuda do município, fizemos as obras do telhado e o espaço ficou melhor. As pessoas da ginástica apresentaram-nos um projeto de dar continuidade à ginástica de competição suportando eles as benfeitorias do próprio ginásio e conseguindo forma de aquisição do equipamento. Os custos para o clube eram ínfimos, e nós concordamos e autorizamos que se fizesse essa requalificação. Aqui funciona a parte competitiva e a parte de formação funciona nas Pedras. Queremos deixar as coisas para os vindouros.

 

Um clube não se faz só de atletas mas também de sócios. Quantos sócios tem o Futebol Clube de Gaia?

Eu só considero sócio aqueles que pagam. Neste momento, temos 650 a pagar uma quota simbólica. Estamos a falar de 2,50€ por mês e os sócios reformados pagam 1€.

 

Como é composta a direção?

O presidente é um coordenador. Ele é o responsável financeiro e é o responsável pelas instalações desportivas, mas cada modalidade tem um vice presidente que se torna responsável por toda a gestão. Eu não posso gerir quatro modalidades ao mesmo tempo. A direção é composta por 7 elementos e depois cada modalidade tem o seu grupo de trabalho. Eu penso que foi a melhor forma que encontrei, também para dividir um pouco a responsabilidade por todos. O clube não é gerido de forma autoritária. Nós fazemos reuniões de direção e não estamos a contar os votos a favor e os votos contra. Isto não é política. Tentamos sempre chegar a um acordo e a alguma conclusão daquilo que é necessário. Isto é uma família. Eu sou o único com tempo livre. Sou o único que posso estar aqui de manhã até ao final da tarde. Eu vivo isto de uma forma demasiada intensa. Se não tivesse por trás os elementos que comigo estão, não faria nada. Sozinho não conseguia.

 

Participaram Final Four da Taça de Portugal em andebol. Uma competição com os três grandes. Como foi viver esse momento?

Foi mais um momento histórico. A vida do clube passa por momentos desses. Há muitos anos que o clube não se via numa situação dessas, ou seja, estar a lutar palmo a palmo com os grandes. A equipa de andebol na segunda divisão conseguiu participar no Final Four da Taça de Portugal com os três grandes do desporto nacional. O jogo foi disputado na Régua. Não houve mais adeptos do Gaia presentes porque, efetivamente, os bilhetes foram limitados. Nós tivemos lá as pessoas que foram possíveis. Os associados ficaram tristes porque a maior parte deles não conseguiram estar presentes. Para a equipa e para os atletas foi um prêmio pelo seu trabalho. Para lá chegarmos eliminamos duas equipas da primeira divisão, para além do nosso percurso que o sorteio nos facultou. Tivemos uma participação muito boa que superou todas as expectativas. Muita gente diz “não é para ficar aqui, é para ir lá em cima.” Sim, mas paulatinamente. Com os pés bem assentes no chão porque financeiramente há uma diferença grande entre os custos de uma segunda divisão para uma primeira. Vamos preparar o projeto. Se houver apoios sustentados, vamos.

 

 

Para além da formação desportiva, o desporto é uma formação cívica….

O objetivo é o desenvolvimento, é a formação desportiva da juventude. O desporto tem que ser tido como um complemento da educação. Os pais já se vão convencendo de que quer a música, quer o inglês, quer o desporto são componentes idênticas para o desenvolvimento do miúdo como homem, como pessoa e até mesmo no aspeto cívico e social. Tudo isto é realmente necessário.

 

Para além da formação dos atletas, também há “formação” para os pais. Um conjunto de regras para não fazer esquecer os pais do comportamento que devem ter nos jogos. Qual a importância desta ação?

Muito importante. Por vezes, os pais é que criam os problemas que surgem na bancada, que surgem na própria formação dos seus educandos. Eles vão para o campo de uma forma que se esquecem que são os filhos que estão ali dentro. Há ocasiões em que há encarregados de educação, que pela sua vontade de vencer, pensam que estão a ver um Porto vs. Benfica. Nós temos que ter essa atenção. Tudo o que está escrito é no sentido de os sensibilizar para esse facto. Não se devem meter nos trabalhos dos técnicos. Os papás devem deixar trabalhar as pessoas. Não devem vir para o campo com insultos, acabando por dar um mau exemplo e estão criar condições ao clube que se transformam em multas que agravam mais a situação financeira. O desporto é uma escola de virtudes. Devemos evitar ser treinadores de bancada.

 

“O clube é o mais antigo clube e é um dos mais emblemáticos”

Sendo o clube desportivo mais antigo, e que transporta o nome da cidade e do concelho na sua designação, como se sente o seu presidente?

O clube é o mais antigo clube e é um dos mais emblemáticos. É o mais tudo! O facto de no seu nome transportar o nome da cidade é para nós um grande orgulho. É um clube que de forma direta transporta o nome da própria terra. Isso faz com que seja conhecido a nível nacional. O Gaia pela sua atividade nas modalidades é conhecido em qualquer lado. É difícil encontrarmos alguém que não se fale do Gaia e não diga “eu já lá joguei”. É para nós um orgulho grande e eu penso que para o concelho também. Quanto mais o clube de Gaia for uma coletividade representativa, a própria cidade também beneficia.

Do passado para o presente, quais os momentos que ficam na memória?

Dos momentos que eu presenciei nestes 35 anos, há uma questão que eu não não posso deixar de falar que é o desenvolvimento gímnico que o clube teve entre 1990 e 2000. Foi o momento auge da minha vida desportista. Foi a minha primeira integração no Futebol Clube de Gaia. Eu cheguei ao Gaia e tomei conta da ginástica. Temos sido campeões nacionais em andebol em todas as faixas etárias. O basquetebol também tem títulos. Esta última presença na Final Four de Portugal é aquela que fica na retina. Tivemos numa prova nacional com os três grandes e batemos de igual para igual. Todas estas coisas dão-nos um certo orgulho e acaba por ser o resultado do trabalho. Vamos fazer 110 anos este ano. Vamos realizar uma gala como o encerramento da época desportiva onde serão distinguidos atletas, dirigentes, treinadores, sócios, no dia 5 de julho. É uma festa da época onde o aniversário do clube nunca pode ser esquecido.

 

Com um grande número de atletas e a utilizar de vários espaços no concelho de Gaia, há ainda condições para crescer mais?

Há condições para crescer mas tem que ser acompanhado pelo crescimento dos espaços. Há vontade de subir para outras divisões mas essas condições não podem ser só do clube. Nós temos que tentar convencer a sociedade gaiense e sociedade civil de que precisamos de ajuda. Os grandes vivem com as suas receitas próprias e com um leque alargado de ajudas externas, e nós pequenos também precisamos de ajuda. Nós não podemos separar o desporto do setor empresarial. É o setor empresarial que vai empurrar o desporto.

Que ambições ainda tem para o Futebol Clube de Gaia?

Neste momento, temos a ambição de continuar a requalificar este pavilhão que tem 62 anos. Há zonas que com a colaboração da município já estão melhores, mas ainda não está tudo. Tentar dar à parte exterior uma outra imagem. A nível desportivo é continuar com a nossa formação que é essa a função, nunca descurando os séniores. Na parte sénior do andebol, o objetivo é chegar à primeira divisão. Queremos ir de uma forma sustentável. Para o basquetebol os sonhos são os mesmos. O nosso sonho é tornar este clube cada vez maior.

Já com vários anos a colaborar com o clube, ainda existem forças para continuar por mais anos?

Este mandato começou em janeiro deste ano e termina daqui a quatro anos. É o último, já está mais do que assente. Nessa ocasião, já tenho 71 anos e espero ter saúde e força para que este executivo consiga lá chegar. Queria sair daqui pela porta grande, pela porta que entrei e gostava de sair pelo meu pé. São efetivamente os últimos quatro anos, se a saúde me permitir. Há juventude no clube que pode tomar conta disto. A minha passagem foi um ciclo e o seu ciclo tem um fim. Não teve antes porque sempre defendi que não era nas horas más que devia de abandonar. Eu não viro as costas a nada. Pior as coisas estão e eu mais vontade tenho de agarrar. Tentei sempre dar o meu melhor para dar a volta, e estamos a conseguir. Vamos entregar isto em condições para garantir um desenvolvimento de acordo com os pergaminhos da coletividade.

 

 

Depois da era de Luís Filipe Menezes, como vê o mandato de Eduardo Vítor Rodrigues?

O mandato de Menezes teve altos e baixos. Ajudou em determinados momentos, empurrou e, depois, veio a crise financeira. Não digo que foi do 8 para o 80, mas foi do 80 para o 8. O que posso dizer é que em dois anos tivemos uma ajuda enorme para as infraestruturas do clube. Não quero fazer comparações. Só tenho a dizer que foi muito positivo e está a ser muito positivo a prestação que o município está a fazer aos clubes. O município não está a empurrar para as competições municipais, mas está a ajudar a criar as bases. Só posso dizer bem do momento atual. Nós somos pessoas gratas. As relações com o município são cordiais, amistosas e de agradecimento da nossa parte. Não posso deixar de referir a ajuda da freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso. Tem sido uma ajuda na recuperação do clube que tenho que saludar.

Ao longo destes anos, quais são as tristezas e alegrias desportivas?

Quando ganhamos, quando organizamos torneios e nos dão os parabéns pela organização, quando conseguimos pagar as nossas contas. Quando tudo é bom. As grandes tristezas acontecem quando as coisas não correm bem e descemos de divisão. Uma grande tristeza que eu tive foi quando caímos num buraco financeiro que fez com que o clube andasse aqui uma década a navegar. Esse momento que saímos das competições profissionais foi um momento difícil e triste. As tristezas e a alegrias vão surgindo consoante as ocasiões. Mas, as alegrias ainda se sobrepõem às tristezas.

Que mensagem gostaria de deixar para os cidadãos de Gaia?

Quero pedir aos gaienses, à sociedade civil, que ajude a coletividade porque o clube é cada vez maior quando os apoios financeiros se tornarem maiores. Só assim é que podemos crescer. Vila Nova de Gaia é um concelho enorme. A cidade tem muitos habitantes e ser sócio do Futebol Clube de Gaia é uma coisa irrisória para o bolso e daí que nós agradecemos e ficamos gratos de se tornarem associados. O Futebol Clube de Gaia conta com toda a gente.