“O QUE SE EXIGE HOJE A UM BOMBEIRO NÃO SE EXIGIA HÁ 20 OU 30 ANOS”

Numa altura em que a instituição a que preside, a Associação Humanitária dos Bombeiros da Ribeira Grande, celebra os seus 143 anos de existência, Norberto Gaudêncio deu uma entrevista ao AUDIÊNCIA onde falou sobre o passado, o presente e o futuro dos bombeiros.

Admitindo que são precisos mais apoios e incentivos, o presidente espera que os bombeiros de “amanhã sejam melhores que os de hoje” e que, principalmente, haja mais consideração e que não se criem tantas barreiras burocráticas que, aos olhos de Norberto Gaudêncio, em nada ajudam os bombeiros.

O vencimento e a falta de incentivos e apoios para os piquetes obrigatórios foram outros dos temas abordados pelo presidente nesta entrevista.

 

Celebraram-se, recentemente, as comemorações dos 143 anos dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande.
Sim, são 143 anos que foram celebrados no dia 15 de abril e que, como de costume, congregou muito boas vontades e muita gente para essa cerimónia. A cerimónia decorreu no quartel, já tem decorrido noutros sítios, nomeadamente nos Paços do Concelho, no Jardim e no Teatro Ribeiragrande, porque nessa altura assinalávamos o Dia Municipal da Proteção Civil que se celebra no dia de aniversário da Associação. Dando um resumo da história da Associação, em 1875, pela primeira vez, apareceu uma formatura de bombeiros comandados pelo Comandante Veloso, o que se supõe que já antes tenha havido movimentações e que a corporação já existia há algum tempo. Mas até 1949 não se conhecem estatutos, só a partir dessa data é que aparecem os primeiros estatutos, que, neste momento, já foram revistos e mais que revistos. Os atuais estatutos datam de há três anos, e esperemos que, com o decorrer dos anos, se vá adaptando às necessidades reais, quer da Associação, quer da sociedade. Durante a cerimónia, além do historial feito por João Gaspar que foi, durante muitos anos, 2º Comandante dos Bombeiros da Ribeira Grande, estando atualmente, creio, ligado à parte académica e tem também uma empresa ligada à prevenção e segurança. O João Gaspar viveu durante muitos anos na Ribeira Grande, é natural de cá, de maneira que estava perfeitamente dentro da génese dos Bombeiros da Ribeira Grande. Além disso houve a intervenção em nome do Governo Regional do vice-presidente da Proteção Civil, Osório Baixinho e o presidente da Câmara da Ribeira Grande, Alexandre Gaudêncio.

 

Houve ainda distinções…
Sim, houve distinções para os bombeiros que completam algum tempo de serviço. Nós somos filiados na Liga dos Bombeiros Portugueses, aliás, agora também faço parte dos corpos gerentes da Liga, e de acordo com os estatutos da Liga a partir de um certo tempo de serviço há condecorações, nomeadamente, a medalha de cobre, de prata e de ouro, e dentro da medalha de ouro há a de 15, 20 e 25 anos, além da medalha da assiduidade. Depois há vários graus e todos os anos temos feito isso, sobretudo aos bombeiros. O ano passado, porque havia pessoal da direção que também estava nessas condições, foi-lhes atribuída também a medalha de cobre, assim como distinguimos o Mariano Pinheiro, atualmente vogal da direção, mas que é um homem que percebe de finanças, é contabilista, e nós distinguimo-lo com a medalha de Grau Ouro – Serviços Distintos da Liga dos Bombeiros Portugueses. Aliás, temos tentado reconhecer, de entre as pessoas que nos têm ajudado, para que seja apelativo para outros e, neste contexto, já temos atribuído algumas medalhas, como aos ex-presidentes de Câmara que, por proposta nossa, a Liga dos Bombeiros atribui-lhes a medalha de ouro de serviços distintos. E há outras pessoas, sobretudo aquelas que se distinguem com serviços aos bombeiros que logo que achamos conveniente atribuímos a medalha ou fazemos a proposta à Liga que por sua vez atribui as condecorações.

 

Como está atualmente a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande?
Neste momento, os Bombeiros da Ribeira Grande estão saudáveis, aliás, o nosso tesoureiro costuma dizer que estamos estáveis e estamos bem. Temos investido em equipamentos, em formação, mas, contrariamente ao que era de supor, não damos um passo maior que a perna. É preferível irmos devagar e certo, não avançarmos para coisas que não somos capazes de satisfazer. Neste momento, há em cima da mesa das nossas reuniões a possibilidade de se aumentar os piquetes noturnos. Temos um protocolo de colaboração com o Serviço Regional de Proteção Civil e, mediante esse protocolo, somos obrigados a ter três equipas diurnas e duas noturnas, mas só temos 18 pessoas para fazer isso. A nível de S. Miguel, somos a associação mais prejudicada nesse contexto. Nós estamos a fazer o serviço, mas os tais piquetes noturnos, custam-nos, mensalmente, cerca de 4 mil euros. Os bombeiros estão a receber 20 euros por noite e dizem que é pouco, e eu também acho que 12 horas seguidas por 20 euros é pouco. Mas o aumentarmos isso, revela-se logo em milhares de euros no ano, por isso é que disse há pouco que não vamos dar um passo maior que a perna e o nosso compromisso a nível financeiro é que os nossos 50 e tal assalariados, no fim do mês, tenham o seu ordenado. Esses 50 e tal inclui também muitos que fazem parte dos programas apoiados pelo Governo Regional, mas, de qualquer maneira, nós também temos de participar. E é compromisso da direção que, todos os meses, esta gente tenha o seu ordenado. Por isso, o comando leva à reunião de direção que é necessário apoiar os piquetes noturnos, porque ninguém quer fazer 12 horas de serviço por 20 euros que é o que pagamos e creio que a nível regional a situação deve ser mais ou menos essa. Neste momento, também estamos em negociações com o Serviço Regional de Proteção Civil, portanto, com o Governo Regional, para se rever a resolução que nos obriga a manter três equipas diurnas, portanto, 10 pessoas por dia. Estamos a tentar negociar isso a contento das associações e sempre no pressuposto que não somos subordinados do Governo Regional nem do Serviço Regional de Proteção Civil, somos parceiros.

 

Que tipo de apoios têm do Governo Regional?
Aquilo que o Governo nos dá, e neste momento, está a dar cerca de 23 mil euros mensais para termos os tais 18 homens, não chega, são precisos 25, e os outros 7 nós é que estamos a assegurar. Portanto, o que o Governo nos dá não é um subsídio, embora seja entendido assim. É uma prestação de serviço que fazemos porque temos de manter essas equipas 24h/365 dias por ano. Penso que vai ser um pouquinho difícil, estamos a tentar a nível de S. Miguel congregar todos os bombeiros, o que às vezes não é fácil, pois cada um tem a sua especificidade muito concreta, se bem que em conjunto já conseguimos muita coisa. Mas às vezes é difícil congregá-los todos no mesmo rumo, porque alguns não são tão prejudicados quanto outros, e alguns não querem perder algumas benesses, o que eu compreendo perfeitamente, mas, neste momento, o ponto da situação é que a Ribeira Grande é efetivamente, como Ponta Delgada, dos maiores prestadores de serviços da região. Em Ponta Delgada, se calhar, representamos mais de 50 por cento dos serviços de bombeiros dos Açores, e isso dá-nos algum direito moral de poder exigir, da parte de quem tem esse dever, melhores condições para o pessoal que trabalha. É que depois os bombeiros começam a relacionar, aqui na Ribeira Grande há o suporte imediato de vida e os condutores são bombeiros, e um condutor dos bombeiros numa SIV ganha muito mais e trabalha menos do que estando a fazer piquetes no quartel, e há que ter isto em consideração. Em contrapartida, há dois, três anos a esta parte, temos assistido a um incremento do voluntariado, mas não se pode, de maneira alguma, estar dependente do voluntário para assumir compromissos de permanência no quartel e de disponibilidade noturna qualquer, porque voluntário, às vezes, não pode estar e não podemos exigir nada.

 

 

Como acha que se poderia incentivar a haver mais voluntários?
Creio que uma das maneiras de se conseguir que os voluntários aderissem mais era acarinhar mais o voluntariado, através de formas muito diversificadas. A Câmara, neste momento, já tem alguns incentivos ao voluntariado, a Liga dos Bombeiros Portugueses também tem, mas não são suficientemente apelativos para que tenhamos um corpo de bombeiros voluntários que dê cobertura cabal e total às necessidades do concelho. É que nós o ano passado andamos cerca de 650 mil quilómetros, fizemos milhares de serviços de vária ordem, se bem que o principal serviço, e com o qual estamos comprometidos, é o serviço de saúde. E o que disse há pouco dos 18 tripulantes que nos pagam, e as tais equipas diurnas e noturnas, são precisamente para o serviço de emergência. Porque o resto, o serviço de saúde que não é de emergência, como sejam transportes, consultas, fisioterapias, etc, nós também asseguramos isso, mas mediante um protocolo feito, quer com o Hospital, quer com a Unidade de Saúde da ilha de S. Miguel. E é daí que advém as nossas maiores receitas que, se, por acaso, estivesse em dia, seria muito bom para nós. Compreendemos que há dificuldades nas instituições oficiais, eles vão pagando lentamente e vai sempre ficando um bocado todos os meses e nós precisamos de fazer investimentos. Ainda o ano passado, só em reparação, manutenção e aquisição de viaturas, gastamos cerca de 200 mil euros, e isso terá de vir de alguma maneira. O nosso orçamento é 1 milhão e 500 mil euros, os serviços que prestamos ao Governo e à Câmara Municipal representam um terço disso, precisamos de ir buscar o resto, e este resto só vem de serviços prestados.

 

Os sócios não têm participação significativa nestas verbas?
Os sócios são sempre bem vindos, mas um sócio paga 15 euros por ano. Neste momento, temos à volta de 800 sócios pagantes, o que num milhão e 500 mil euros de orçamento não é muito representativo. De qualquer das maneiras, estamos sempre a incentivar e quantos mais sócios tivermos melhor, e quantos mais sócios participarem na vida da Associação melhor. E tem-se notado que, às vezes, os sócios andam um pouquinho arredados da vida da Associação, nós mandamos convocatórias para todas as reuniões e seria muito bom se aparecesse mais gente nas reuniões para que se discutisse, discordasse, criticasse, sempre numa boa vontade e tentando melhorar. Nós estamos abertos a todas as críticas, aliás, eu já estou nos bombeiros desde 1980, gosto muito do que faço, mas não estou preso aqui, apareçam, critiquem, deem sugestões, porque é desta dualidade de confrontos que as coisas progridem e a minha intenção, e penso que da atual direção, é que os bombeiros de amanhã sejam melhores do que hoje, e que daqui a 50 anos sejam muito melhores do que hoje.

 

800 sócios pagantes em 32 mil habitantes, sendo a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, em qualquer localidade, mas aqui na Ribeira Grande, de forma especial, essencial à população, não acha que a população está um bocadinho de costas voltadas em termos de sensibilidade para a necessidade de participarem neste projeto?
Sim. Pode-se deduzir isso. Em contrapartida, nos últimos anos, temos vindo a aumentar o número de associados. Estabelecemos uma quota mínima anual de 15 euros e depois os sócios têm direito a 10% de desconto nos serviços prestados pelos bombeiros. E o número de sócios tem vindo paulatinamente a subir, portanto, na prática, pagantes, à volta de 800, inscritos à volta de 1500. Mas tem vindo paulatinamente a subir porque usufruem do serviço da piscina onde têm logo 10% de desconto, ou seja, a maioria das pessoas que vão para a piscina inscrevem-se como sócios, e todos os meses vemos o número de sócios a aumentar e temos feito campanhas de sócios e até pedimos autorização à Assembleia Geral para suspender a joia de inscrição e, neste momento, os sócios não pagam nenhuma joia de inscrição. Se calhar, numa próxima revisão dos estatutos vai ser necessário retirar-se essa questão, porque não faz sentido uma pessoa pagar para se inscrever e depois pagar como sócio.

 

Quantos voluntários tem atualmente a Associação?
Assalariados, que fazem parte do quadro, temos cerca de 28, mais aqueles que estão nos programas do Governo Regional que são cerca de 20, portanto, no total, temos cerca de 50 pessoas todos os dias. Agora, os quadros dos bombeiros, que são compostos por três secções e cada uma tem o seu número de elementos, temos cerca de 240 bombeiros, incluindo os cadetes e os infantes e os que estão no quadro de honra e na reserva. E, ultimamente, temos assistido a formaturas bem compostas, com pessoal bombeiro devidamente fardado que tem custado uns milhares à Associação, uma vez que, de há uns anos a esta parte, quem de direito tem-se eximido a suportar os custos. Há cerca de 4 ou 5 anos que não recebemos nenhum subsídio para fardamento, para equipamentos, se bem que o nosso relacionamento com o Serviço Regional de Proteção Civil tem sido excelente sempre na base de somos iguais, mas com funções diferentes.

 

“Somos todos iguais, temos é funções diferentes”

Com uma Associação como esta há também que ter preocupações sociais. Sendo este um grupo de bombeiros tão largo, há pessoas de vários estratos e há pessoas com maiores ou menores dificuldades de vida. Recentemente, infelizmente, um dos membros faleceu. Como consegue ter a perceção de que a equipa está bem, que os bombeiros estão bem, atendendo a que os apoios não são tantos como aqueles que eram precisos e os próprios bombeiros precisam de apoio?
Exatamente, e os próprios bombeiros reconhecem que é do trabalho deles que advém as possibilidades de lhes prestarmos esse apoio. A nível de direção, e desde que lá estou, adotamos um sistema que é, somos todos iguais. Não há presidentes nem comandantes nem nada. Temos é funções diferentes e cada um de nós deve cumprir a sua função o melhor que sabe. E tem havido da parte de todos os bombeiros um empenho no cumprimento das suas funções, porque sabem perfeitamente que é do seu trabalho que advém os fundos para nós podermos investir e para lhes podermos pagar o vencimento. Como disse no início, não damos passos maior que a perna e temos de ir devagarinho. E, se calhar, neste momento, estamos tranquilos e vamos continuar a estar tranquilos sempre neste pressuposto de que somos todos iguais com funções diferentes e que cada um de nós vai cumprir, o melhor que sabe e puder, as suas funções. Mas, neste momento, está-se a criar um problema muito grande porque o que se exige hoje a um bombeiro não se exigia há 20 ou 30 anos. E há bombeiros que estão há 30 anos aqui e que têm de fazer a sua recertificação da categoria onde estão, e o nível académico e de escolaridade que têm nem sempre lhes permite singrar no meio dessas literaturas todas. O que vem fazer com que muitos percam, e perdendo, está escrito e já chamamos a atenção ao próprio presidente do Serviço, que se se baixa de categoria mais do que uma vez, são convidados a sair. Isto é desumano. Nós fazemos orelhas moucas e vista grossa a essas particularidades e mantemos as pessoas. Creio que numa próxima revisão da portaria que regulamenta isto, quer da resolução do Governo de 2014, que é o que regulamenta o número de equipas de intervenção rápida, isso terá que ser revisto. Porque as pessoas que são bombeiras há 30 anos tinham todas as condições na altura para o serem. Agora as exigências são cada vez maiores e, hoje em dia, para se ser bombeiro, não basta chegar aqui. É uma recruta demorada, um estágio demorado, testes físicos e psicotécnicos, de modo que, o bombeiro quando está apto, quando é aspirante quando passa para bombeiro de 3ª, a população pode ter a certeza que essa pessoa é capaz de a socorrer em qualquer situação de emergência. Há é que ter também outra vertente, que vamos discutir no próximo Conselho Regional de Bombeiros, que será a 16 de junho na Horta, que é, às vezes, é preciso pegar em macas, é preciso fazer força, e, infelizmente, a idade vai passando e eu não estou a ver um bombeiro de 60 anos a ter de fazer esses serviços. Há que ter isso em consideração e saber como é que vamos reconverter estas pessoas. Penso que os legisladores e os partidos estão mais ou menos atentos a isto.

 

Estarão?
Eu tenho feito o possível para isso. E até, neste momento, a nível dos Açores tem-se gerado muita polémica na legislação até por causa dos comandantes. Eu acho que é simples. Há uma associação que tem os seus corpos gerentes, que é dos sócios que elegem os seus corpos gerentes para suportar um corpo de bombeiros. E esse corpo de bombeiros é chefiado por um comando, por chefes, e há toda uma hierarquia em pirâmide. Não faz sentido nenhum que o comando não seja da confiança da direção. Nem faz sentido nenhum que o comando não possa ser exonerado pela direção. Eu estou sozinho neste ponto a nível de Açores, mas vou levar o ponto adiante, a Ribeira Grande está ao meu lado, incluindo o comando. É muito difícil fazer-se um comandante, então o que é que os comandantes fazem com os seus bombeiros? Não lhes ensinam tudo, não são capazes de criar pessoas para os substituir? Ou ser-se comandante é de tal maneira uma figura tão lá de cima que só alguns terão essa capacidade? Aqui na Ribeira Grande, é a direção que nomeia o comando, e homologado pelo Serviço Regional. Mas, durante esses cinco anos, haja o que houver a direção não pode nomear outro nem o destituir. Não está certo. O que se sucede aqui na Ribeira Grande é que demos a volta à lei, ou seja, há uma conversa de cavalheiros entre direção e comando em que quando se mudar a direção o comandante põe o seu lugar à disposição da nova direção. Muitos argumentarão que é instrumentalizar, mas não. Penso que cada direção vai procurar e escolher o melhor para a sua corporação. Se calhar, o que está poderá não ser o melhor, então a direção tem o dever de procurar um melhor. Se o que lá está é bom, então deixe-se ficar. Esta polémica já expressei perante o Serviço Regional, perante as associações regionais, contra todos os comandantes dos Açores porque houve uma altura em que os comandantes eram delegados da Proteção Civil. Aliás, já estou nos bombeiros desde 1980, conheço bem a realidade. Os comandantes eram delegados da Proteção Civil e ganhavam balúrdios, daí ter-se criado uma elite que não se compadece com os dias de hoje. E, hoje em dia, queremos um comando capaz, eficaz, que seja modelo e que seja capaz de levar a sua corporação para a frente, em respeito pela sua direção e pela associação. Se o presidente da Proteção Civil também muda, porque os comandantes não podem ser mudados?

 

 

Mas como se sente o grupo que anda a prestar assistência aos outros e não conseguiu dentro do seu próprio grupo prestar assistência a quem necessitava?
Penso que isso já tem outras razões, de ordem psicológica. Por aquilo que me foi informado, pelos familiares desse caso fatídico, a senhora, respeito a decisão dela, não concordo, mas respeito, e o marido é também bombeiro e penso que terá sido uma questão psicológica. Nesse dia, infelizmente, estava de saída da ilha mas acompanhei tudo o que se passou e todos os dias estava em contacto, quer com o comando, quer com a direção, para saber o ponto de situação. Pelo que me foi relatado e pelo que sinto, toda a gente irmanou-se naquela dor e toda a gente respeitou a opção da senhora, e o funeral, pelo que me disseram porque estive cerca de oito dias fora, mas a direção esteve presente, foi uma homenagem muito sentida à bombeira e a toda a situação. Aliás, pessoalmente, recebi manifestações de pesar do secretário regional, do presidente do Serviço Regional, de vários presidentes de associações dos Açores e creio que esse acontecimento trágico veio criar um maior elo de ligação entre todos os elementos dos bombeiros, quer sejam assalariados ou voluntários, quer sejam administrativos ou até mesmo os corpos gerentes. É pena ter acontecido, mas soubemos superar isso da melhor maneira. Imediatamente, o marido recebeu todo o apoio, o comando esteve sempre em contacto direto com a Proteção Civil que lhe dispensou imediatamente apoio psicológico.

 

Contudo, o ano de 2017 também veio recheado de troféus para a Associação.
Sim. Há cerca de 30 anos que participamos nos concursos de manobras especificas de bombeiros a nível nacional. E a nível nacional temos ficado sempre no 1º, 2º ou 3º lugar. Esses concursos fazem-se a nível nacional, de quatro em quatro anos, onde é apurado o vencedor que vai representar Portugal num evento internacional, que este ano foi na Áustria. Nós, este ano, conseguimos ganhar os campeonatos a nível de bombeiros seniores, a nível de cadetes, e também conseguimos ganhar a nível de femininos. Isso deu-nos direito a representar Portugal na Áustria, no verão passado. Os bombeiros da Ribeira Grande ficaram bem classificados, tanto que trouxeram, a medalha de ouro desses concursos, e já é a segunda medalha de ouro que os bombeiros trazem para a Ribeira Grande, em 2005 também conseguiram esse feito. Não participamos com a equipa feminina, embora tivéssemos tido esse direito, por dificuldades das senhoras que iam participar, quer por afazeres profissionais quer por questões familiares, e em nossa substituição foi uma equipa do continente. Creio que nos temos portado bem, todas as vezes que os nossos rapazes e raparigas partem para essas lides e quando me despeço deles digo sempre que é bom se ganharem, mas que não é o mais importante. O mais importante é que se diga que os bombeiros da Ribeira Grande se portaram bem. Se ganharem e trouxerem algum trofeu, ótimo, mas a referência que fica é sempre à qualidade da prestação e, até agora, creio que só têm trazido alegrias nestas deslocações. Vamos agora, no final de maio, participar no 1º ano do campeonato, em Fafe se não me engano, e isso custa-nos dinheiro. A viagem está assegurada pelo Serviço Regional, e vamos participar só com cadetes e com os seniores. O comandante optou, com a anuência da direção, não avançar com a equipa feminina, pelas razões já explicadas. Portanto, vamos participar este ano, temos um orçamento de cerca de 4.700 euros que se referem a alimentação, deslocações, e normalmente costumam ficar nos Sapadores do Porto que lhes oferecem a estadia, já que as passagens são oferecidas pelo Governo Regional. Lançamos uma campanha, pedimos a várias entidades e personalidades apoio e estamos a receber e não é por falta disso que os bombeiros não irão participar.

Tem também outros projetos futuros e há uma grande iniciativa já em preparação…
Nós queremos que os 145 anos, as tais datas redondas, que será em 2020, sejam celebrados de uma maneira diferente dos outros. Estamos a pensar em fazer o lançamento de medalhas, e, se calhar um livro. Temos um livro dos 120 anos dos bombeiros, que foi feito por um ex-presidente da direção que faleceu há pouco tempo, o Engenheiro Armindo Moreira da Silva, se calhar, vamos avançar para, se houver possibilidades, porque o mais difícil é arranjar alguém que seja capaz de perder muito tempo a vasculhar documentos antigos. Queremos também manter as nossas equipas de manobras sempre atuais, não participamos em outro tipo de manobras porque não temos pessoal. O facto de deslocarmos 20 e tal pessoas, os cadetes não fazem parte dos assalariados, mas os outros 11 seniores, a maior parte é assalariado e temos de arranjar pessoal para os substituir, temos de pagar isto, mas acho que o fator de motivação e o nome da Ribeira Grande e dos Açores vai ter prioridade nisso. Para o futuro, queremos, cada vez mais, aprimorar os equipamentos e fardamentos. Devo dizer que, neste momento, penso que somos das poucas associações em que cada bombeiro tem o seu equipamento de proteção individual que é um conjunto de fatos especiais, capacetes, botas, etc, que custa mil euros cada um. É verdade que tivemos algum apoio do Governo, mas o ano passado gastamos quase 30 mil euros só na aquisição desses equipamentos. Mas tenho a certeza que o nosso bombeiro quando vai para um combate, um incêndio ou outro tipo de sinistro qualquer, vai devidamente protegido. Vamos continuar também com a certificação de todos os nossos serviços porque somos das poucas associações do país, e a única certificada em salvamento em grande ângulo, é verdade que isto custa dinheiro, ainda recentemente auditores estiveram aqui a ver as coisas, mas também dá a certeza aos utentes de que quando entrarem numa ambulância têm lá tudo o que é preciso. O caso de salvamento em grande ângulo, o equipamento está lá, o pessoal está treinado, somos das poucas equipas a nível Açores que é capaz de fazer isso. O caso dos socorros a náufragos, também, se bem que a competência é da marinha, mas os primeiros a chegar são sempre os bombeiros. Aliás, tem havido um bom entendimento entre a marinha e os bombeiros, quando sabemos de algum sinistro imediatamente avisamos a marinha que nos dá carta branca para avançarmos, porque é mais fácil, porque estamos mais perto do que a marinha vir de Ponta Delgada, então nós avançamos e depois a marinha assume e colaboramos todos. Pretendemos também que haja cada vez melhores equipamentos. Estamos a tentar que a nossa frota seja renovada e, para este ano, já temos prevista a aquisição de algumas viaturas, despensas nossas, se bem temos aí viaturas com 30 anos que, se calhar, já não estão muito operacionais, sobretudo a nível de ambulâncias porque temos ambulâncias com quase 20 anos com mais de um milhão de quilómetros e ainda recentemente o comandante me disse que temos três ambulâncias encostadas e, muitas vezes, essas reparações que deveriam ser do Serviço Regional, que nos têm apoiado, mas não tanto quanto gostaríamos, somos nós associação que avançamos. Se tivermos alguma disponibilidade avançamos, mas se não tivermos… Outra coisa para o futuro e em relação aos bombeiros é que há que definir uma carreira para os bombeiros, há que definir os vencimentos para os bombeiros, e isso tudo a nível regional. Neste momento, um bombeiro está a ganhar o ordenado mínimo regional. Quando o diploma foi implementado em 2010 o ordenado mínimo era cerca de 480 euros, o bombeiro na posição mais baixa ganhava 530 euros. Nunca mais houve atualizações de carreira dos bombeiros e o ordenado mínimo, neste momento, está em 609 euros. E nós, direção, estamos a pagar pelo ordenado mínimo. É uma guerra que vamos ter de fazer, no futuro terá que ser baseado na qualidade que as associações terão de dar aos bombeiros, na segurança e na carreira dos bombeiros e que a profissão seja cada vez mais dignificada. Eu sou do tempo em que, há 30 anos, chegava ao quartel na rua da Praça e havia uma cadeira e um telefone em cima. E o vizinho quando ouvia o telefone ia atender. Hoje em dia já não é assim, temos lá cerca de 50 pessoas. Portanto, penso que a carreira dos bombeiros terá que ser muito acarinhada e aliciá-los com um vencimento interessante porque o voluntariado tem limites. E quando se exige as coisas, muitas vezes, o voluntário diz que sim, mas mais logo, e nos casos de emergência não pode ser mais logo, tem de ser já, e para isso tem de haver disponibilidade com pessoal motivado.

Quais são os seus desejos para o futuro?
Os meus desejos para o futuro, em relação aos bombeiros, é que daqui a 50 anos se diga “coitadinhos dos bombeiros do tempo do professor Gaudêncio”. Isto quer dizer que os bombeiros serão muito melhores, muito maiores. Por isso, o que desejo aos bombeiros é que amanhã sejam melhores que hoje, e que no futuro sejam o expoente máximo, até para bem da segurança das pessoas e da confiança das pessoas nos seus bombeiros.