PRODUTOS “AUTÊNTICOS” AÇORIANOS ALIAM-SE A COZINHA “AUTÊNTICA” DE JUSTA NOBRE

A ‘chef’ Justa Nobre foi a última convidada do Botequim ComVida, uma iniciativa do restaurante Botequim Açoriano, localizado em Rabo de Peixe, que pretende trazer os mais conceituados ‘chefs’ portugueses até à ilha de São Miguel e desafiá-los a juntar a gastronomia dos Açores com a nacional. Desta vez, sendo a ‘chef’ convidada de Trás-os-Montes, as gastronomias transmontana e açoriana fundiram-se.

A iniciativa Botequim ComVida conta já com um ano e tem como objetivo trazer os mais conceituados ‘chefs’ da gastronomia portuguesa ao Botequim Açoriano.

De acordo com Rúben Pacheco Correia, proprietário do restaurante, o propósito de trazer os ‘chefs’ aos Açores passa também por “afirmar o produto de excelência” que existe na região, sendo esta uma forma de “chegar às pessoas e mostrar o que cá temos”.

Depois dos ‘chefs’ Chakall, Cordeiro, Júlio Fernandes, Paulo Morais e Hélio Loureiro, chegou a vez de Justa Nobre confecionar a sua ementa na cozinha deste restaurante rabopeixense, no passado dia 8 de fevereiro. Unindo os ingredientes e produtos açorianos e transmontanos (estes últimos escolhidos a dedo para “dar a conhecer” aos açorianos), para entrada escolheu canelone de curgete com escamuda; a sopa era de castanha, cogumelos e estaladiço de presunto; o prato de peixe era composto por lombo de veja e cuscos transmontanos com camarão e abóbora e o de carne por borrego com batata-doce e chalota. Os doces também não foram esquecidos: sopa dourada com ‘carpaccio’ de ananás e, por fim, rabanada com creme de castanha. Tudo isto confecionado, de acordo com a ‘chef’, com “muito amor e paixão”.

Em entrevista ao AUDIÊNCIA, Justa Nobre conta que gosta de vir aos Açores, em específico, à ilha de São Miguel. Não apenas pela gastronomia, mas também pela “linda paisagem” e pela “bonita vista para qualquer lugar que seja”.

Nesta noite diferente do Botequim Açoriano, houve também oportunidade para falarmos com Rúben Pacheco Correia, o jovem proprietário do restaurante.

Justa Nobre

Qual a principal diferença entre a gastronomia transmontana e a açoriana?
Para já Trás-os-Montes não tem mar e os Açores têm. Esta gastronomia é muito caseira, tal como em Trás-os-Montes, mas mesmo assim são diferentes porque os produtos também são diferentes. Mas no fundo, desde que sejam cozinhados com algum amor e com o sentimento de “mãe de família”, são todos bons.

Já provou a comida regional?
Já. Já comi duas vezes o Cozido [das Furnas], já comi os cavacos, as lapas… acho que já experimentei praticamente tudo. Gosto imenso!

O que destaca dos produtos de Trás-os-Montes?
Os enchidos, a carne, as castanhas… temos bons produtos.
Aqui têm o peixe. Eu adoro peixe e adoro cozinhar peixe, e nos Açores o peixe é muito bom. Gosto muito de peixe miúdo. Se me derem a escolher entre uma posta de cherne ou um chicharro, sou capaz de escolher o chicharro.

E dos produtos açorianos?
Há produtos cá que têm um cheiro e uma cor intensa. Vê-se que estão num clima muito bom para serem tão bons. Os espinafres, o agrião, a batata-doce… e o ananás, claro!

Que produtos há cá que vai levar consigo?
Vou levar queijo, ananás e licor. Não dá para levar mais nada, se não levava mais! Há ótimos produtos cá.

Um dos objetivos do Botequim ComVida é os ‘chefs’ de Portugal continental cozinharem com os produtos açorianos. Qual é a ementa deste jantar?
Logo na entrada vamos fazer um canelone de curgete com escamuda. Para prato de peixe vou usar veja com os cuscos transmontanos, como prato de carne vou usar borrego e batata-doce. Fiz uma mistura dos produtos açorianos com os transmontanos, por isso mesmo temos uma sopa de castanhas.
Para sobremesa estou a fazer uma sopa dourada com ananás, e para o café uma rabanada com recheio de castanha, portanto, outra vez Trás-os-Montes.

A Justa Nobre é uma das chefs em quem mais os portugueses confiam.
Se calhar porque já tenho 40 anos de profissão e as pessoas já se habituaram a mim. Sabem que faço uma cozinha autêntica e verdadeira. Ou talvez porque sou mãe e às vezes há aquela saudade de comer aquela comida de casa e mais familiar.

Como caracteriza a sua própria cozinha?
É uma cozinha de mãe e de família. É uma cozinha com muito amor. À volta do que faço, ponho sempre muito amor e muita paixão. Sou esposa, mãe, avó e mulher, portanto, tudo ajuda a que eu trabalhe com amor.

Rúben Pacheco Correia

Como começou o Botequim ComVida?
Começou há cerca de um ano com o ‘chef’ Chakal. A ideia é abrir a nossa cozinha a ‘chefs’ conceituados da gastronomia portuguesa, de maneira a que possam fazer uma fusão daquilo que fazem com aquilo que fazemos cá.
A especialidade da Justa é cozinha portuguesa com influências transmontanas. A ideia é fazer uma fusão entre a cozinha transmontana e portuguesa com os produtos açorianos.
Queremos credibilizar a nossa gastronomia açoriana, valorizar o produto que temos nos Açores e internacionalizar a nossa cozinha. Os Açores são um destino turístico cada vez mais presente em todos os cartazes europeus e mundiais e é cada vez mais importante afirmarmos a nossa gastronomia, para que também seja um destino gastronómico. Quando se fala em Açores fala-se em qualidade, em frescura, em verduras, em leite, em peixe, em marisco… Açores é qualidade. É importante que a nossa restauração e gastronomia possam transparecer a mesma qualidade.

Como surgem os contactos com os vários ‘chefs’ que cá têm vindo e também com os que virão?

Há chefs que contactamos e outros que quase se fazem convidar para vir cá. As pessoas cá estão muito limitadas à oferta. Em Lisboa, é muito mais fácil termos acesso todos os dias a coisas diferentes do que propriamente cá. Cá estamos muito limitados àquilo que há e àquilo que já existe há muito tempo. Continuamos com o mesmo tipo de registo e de gastronomia. Vir aqui “abanar” um pouco a tradição que existe e com aquilo que já é costume e hábito em todas as casas, é importante para que as pessoas percebam que, por exemplo, o ananás não é só para se comer cru, que nas Furnas não se faz apenas cozido, que o chá não é só para se beber… entre outras coisas. Nós queremos diversificar a gastronomia açoriana com o que já temos.

As ementas que os ‘chefs’ trazem são criadas por eles próprios?

São criadas por eles próprios e abrem uma panóplia de possibilidades. Não há ‘chef’ que tenha deixado o ananás para trás. Todos fazem uma coisa diferente. Isto mostra às pessoas que aquele produto dá para fazer muita coisa. Aqui nos Açores somos habituados às nossas receitas típicas… começar a brincar com os produtos é uma forma de engrandecer os Açores.

Sobre a ‘chef’ Justa em particular, como surgiu esta vinda cá?

A ‘chef’ Justa Nobre é uma das mais conhecidas e conceituadas em Portugal. Quando comecei a trazer alguns ‘chefs’ conhecidos cá, tinha já em mente trazê-la. Há 10 ou 12 ‘chefs’ conhecidos em Portugal e a Justa é um deles. Lancei o convite e é com grande satisfação que a temos cá.

Quem se avizinha no próximo jantar?

Sérgi Arola. A data não está marcada, mas o nome está confirmado. É um ‘chef’ que tem estrela Michelin em Portugal e também em Espanha. Vai ser o nosso primeiro ‘chef’ Michelin. Vai ser um desafio interessante e estou muito curioso e expectante sobre o que vai fazer com os nossos produtos.

Há alguma novidade sobre estas noites ou sobre o Botequim Açoriano? Estas noites vão continuar. Não há muito mais a dizer. Sobre o Botequim, espero que haja muito por dizer. Temos muitos projetos para fazer este ano. Posso revelar que faz parte das nossas intenções abrir este ano em Lisboa, que é uma forma de levar a gastronomia dos Açores à capital.

Da alma do Botequim Açoriano faz parte a ‘chef’ Dodó. Também ela vai dividir-se entre Lisboa e Rabo de Peixe?

Sim. A ‘chef’ Dodó é a minha mãe. Abri o restaurante, sobretudo, devido a ela, que tinha esse sonho e que trabalhava já como ‘chef’ de cozinha num hotel. Queria que este espaço fosse não só de gastronomia mas também de cultura. O Botequim nasce porque Natália Correia [poetisa açoriana] tinha o Botequim da Graça, em Lisboa. A ideia era homenageá-la a ela e ao Botequim que tinha, mas juntar gastronomia. Por isso mesmo é normal organizarmos cá saraus, tertúlias e lançamentos de livros. O Botequim de Lisboa inspirou a abertura do Botequim Açoriano em Rabo de Peixe, e agora o Botequim de Rabo de Peixe vai inspirar a abertura do Botequim Açoriano em Lisboa.