“QUERO QUE DAQUI A ALGUNS ANOS OS AÇORES SEJAM UMA REFERÊNCIA EM TODO O LADO”

Natural de Santa Bárbara, Norberto Gaudêncio tem um percurso longo e ativo nos Açores. Já foi professor, Presidente de Junta, e, agora, é Presidente da Associação dos Bombeiros da Ribeira Grande.

Na XII Gala do AUDIÊNCIA, Norberto recebeu o Troféu Autonomia 2017 pelo trabalho desenvolvido. Em conversa com o AUDIÊNCIA, fala sobre o percurso até chegar aos dias de hoje, política e o futuro.

 

 

É natural de….

Santo António, Ponta delgada. Aliás, Santa Bárbara que na altura era o lugar de Santo António. Já saí de lá há quase 40 anos. É uma terra muito bonita. Foi lá que eu cresci, foi lá que aprendi a gostar das pessoas, aprendi a jogar futebol. Uma freguesia muito rural. Lembro-me ainda que havia muita casa coberta de palha, hoje em dia, felizmente isso já não acontece. Havia muitas pessoas que passavam fome. Eu nunca passei fome mas passei muito desconsolo. Não havia eletricidade mas isso não era motivo para ficarmos em casa. Eu conhecia todas as pessoas, quer fosse de dia quer fosse de noite, pela voz ou pela fisionomia. A eletricidade só chegou a Santo António depois do 25 de abril. Entretanto, eu fui para a tropa e já não regressei à minha terra de origem, fiquei por Ponta Delgada e depois vim aqui para a RIbeira Grande.

 

Viveu em Santa Bárbara mais ou menos 22 anos…

A minha história é complicada (risos) Eu nasci em Santa Bárbara, aprendi lá na escola, fiz até à 4 classe e, de seguida, fiz os exames de admissão para liceu e para a escola industrial e depois optei em ir para o seminário em Viana do Castelo. O meu pai e a minha família acharam que eu tinha vocação para padre e como havia lá na terra um seminarista espiritano, fui para a Congregação dos Espiritanos para Viana do Castelo. Saí de cá com 10 anos, juntamente com um moço da terra, e colocaram-nos num barco e fomos parar a Lisboa, onde estava um padre à nossa espera. No dia seguinte, pegou em nós e levou-nos para Santa Apolónia e disse-nos que às x horas estávamos em Viana e que quando chegássemos lá para perguntar onde era o seminário. Eu lembro que no comboio fazia a pergunta às pessoas para saber se faltava muito para chegar e as pessoas não percebiam o meu português. Depois, chegamos a Viana e fomos para o seminário. Ao fim de um ano, vim a casa e voltei novamente a Viana onde fiquei mais dois anos sem vir aos Açores. Depois vim cá de férias e fiquei por cá. Tinha 13 anos, na altura. Fui para o liceu mas não tinha condições para pagar a estadia em Ponta Delgada. De Santa Bárbara a Ponta Delgada eram 25 km ninguém ia e vinha. Eu lembro-me que o meu pai trabalhava na Chicória e apanhava o autocarro às 6h da manhã na segunda e vinha no sábado às 6 da tarde.

 

Entretanto entrou para o liceu de Ponta Delgada…

Os meus pais não conseguiam pagar a estadia e havia,nessa altura, em Ponta Delgada, a casa de S. José, que foi fundada por um húngaro, e tinha por finalidade albergar rapazes fora da cidade que quisessem estudar. Tinham que ser bons alunos pois eles davam estadia mas não davam estudo. Aos 18 anos já era professor, e depois fui para a tropa. Entretanto conheci a minha cara metade, saí da tropa, e casei. Estou aqui na Ribeira Grande desde 1976.

 

Preside uma instituição com paredes meias com Conceição e Ribeira Seca…

Eu fui Presidente de Junta durante 2 mandatos na Ribeira Seca e, na altura, tentei negociar com a freguesia da Conceição os nosso limites porque o que faz a divisória entre as duas freguesias é o rego da terreira que já não existe. À frente temos Ribeira Seca e ao lado já é Conceição.

 

Voltando ao percurso da sua história. Aos 18 anos, finaliza o curso de magistério primário, torna-se professor e vai para a tropa…

Eu entrei na tropa em outubro de 74 mas no meu turno fui para a Tavira. No curso tive 12,74 e todos os 12 foram para o ultramar na época de descolonização e eu safei-me.

 

Casou aos 22 com uma professora também…

Casei aos 22 por uma razão muito simples, o meu pai tinha falecido e a minha mãe não tinha muita saúde e estava a viver em casa da minha irmã, quando vim da tropa não fazia sentido em estar pendurado lá em casa da minha irmã e, por isso, casei- me. Éramos 11 filhos. Eu e a Imaculada, que é da Ribeira Seca, éramos colegas de curso no magistério.

 

E por que escolas é que andou?

Foi nas Capelas. Na altura, os professores homens só podiam lecionar masculino, enquanto, que as senhoras podiam lecionar masculino e feminino. Eu tive logo colocação na escola das Capelas onde trabalhei durante 2 anos. Depois da tropa vim para algumas escolas da Ribeira Grande e, entretanto, como o Governo Regional muda o ensino, no qual começa a implementar a Educação Física nas escolas, eu fui convidado para coordenador dessa área e estive durante 20 e tal anos. No ano de 2000, fomos os primeiros professores a exigir e a ter uma licenciatura nessa área. Nós unimo-nos com a ajuda da Direção Regional de Educação Física e ficamos licenciados.

 

E quando é que se aventurou pela política?

Eu sou do PSD. Filiei-me no PSD em brincadeira. Um amigo perguntou-me pelo meu bilhete de identidade e depois só faltava assinar. Em 1993, assumi a liderança da junta com as minhas diferenças mas sempre fui respeitado e tenho muitos amigos do PSD e do PS. Creio que na Ribeira Seca formei uma equipa interessante e foi, a partir dessa altura, que a freguesia começou a sobressair. Acho que muita coisa foi feita a nível cultural porque considero que é chamando pessoas, dando a conhecer aquilo que é nosso que se consegue promover as coisas e trazer, assim, algum proveito económico.

 

Fez dois mandatos de 93-97 e 97-2001…

Não fui para o terceiro mandato, embora me tivessem pedido. Eu acho que o poder corrompe e as pessoas ao fim de muito tempo habituam-se.

 

Em 2001, deu lugar a Carlos Anselmo…

Que era o meu secretário. Uma pessoa muito competente que era muito mais político do que eu. Eu se calhar reagia mais com o coração. Ele é um político nato. Aprendi muita coisa com ele e, na altura, também tive de o controlar porque o que precisávamos mais era afirmarmo-nos na população e ter a confiança da população pois quando se tem a confiança, tudo corre bem.

 

Posso entender, desta sua resposta, que está a empurrar o seu filho Alexandre Gaudêncio para outros voos que não seja continuar no Município da Ribeira Grande?

Em relação ao meu filho, na altura, que ele se candidatou à Câmara eu fui dos poucos, talvez o único, que disse que ele já tinha ganho. Eu não o estou a empurrar mas eu considero que os que lá estão não são melhores do que ele. Respeito qualquer opção que ele venha a tomar.

 

Mas na sua opinião ele não deve ter um terceiro mandato…

Eu não disse isso. Eu acho que as oportunidades devem-se agarrar.

 

A Imaculada e o Norberto tiveram 3 filhos…

O Alexandre, o atual Presidente da Câmara, o Nuno, que é o mais velho, e a Carmen, que é a mais nova.Têm todos uma diferença de 6 anos.

 

Paralelamente com a profissão de professor e Presidente de Junta, o sindicalismo também faz parte do seu percurso…

Exatamente pelo meu feitio de insatisfação,o Francisco Sousa, fundador do sindicato dos professores, por quem eu tenho muito carinho, muito respeito e muita amizade, foi apanhado pelo PSD para deputado, e numa reunião de sindicato, ele perguntou às pessoas se devia ou não ir para deputado e todos disseram que sim. A partir daí, fui dirigente sindical durante 20 e tal anos. Alguém dizia que era necessário no sindicato alguém de direita, eu considero-me uma pessoa de direita para contrapor os facilitismos. A meu ver o sindicalismo não é só exigir e, ainda há pouco tempo, veio cá o sindicato aos bombeiros e eu pedi para estar presente e fiquei muito satisfeito. A partir do momento que são sindicalizados têm mais responsabilidades, têm que dar exemplo. Na altura, fizemos com que os professores se sentissem iguais uns aos outros e acho que fizemos coisas muito interessantes. O centro social e paroquial de São Pedro foi fundado por mim, em 97. O Padre António Rocha é que foi o grande produtor e convidou-me e mais algumas pessoas mas eu incompatibilizei-me porque achei e continuo a achar que a Igreja deve estar ao serviço das pessoa e sempre que haja possibilidades de ajudar que se ajude essas pessoas sem distinção de lugar, cor ou raça e, se calhar, a prática não era bem essa e eu não quis continuar.

 

 

E a nível de associações?

Fui um dos fundadores do ginásio clube da Ribeira Grande, que já não existe, na vertente de patinagem. Eu não queria que eles fossem ases, queria que eles participassem. Ainda ganhamos algumas participações, pelo menos, os miúdos das Ribeira Grande estavam entretidos. Enquanto estive na Junta, organizamos o grupo de cantares e fomos a várias freguesias e o meu lema era “vamos-nos juntar para nos divertirmos. Eu lembro-me sempre que quando jogava futebol em Santa Bárbara tinha que comprar o equipamento, cozer as botas e quando começamos a ter bons resultados os magnatas lá da terra começaram a meter-se. As pessoas devem participar nas coisa por prazer,por gosto. Eu saí da Junta e morreu tudo. eu quando estava lá, a ideia era promover a freguesia e como não tínhamos dinheiro, utilizamos as pessoas.

 

Na parte literária, para além de ser professor, nunca pensou em escrever um livro?

Pensar sempre pensei. Todos nós temos esses sonhos mas se calhar não tenho capacidade para isso.

 

Aos 64 anos, para além da sua associação militar dos bombeiros da Ribeira Grande ao qual dedica grande parte do seu tempo, que mais sonhos tem?

O meu sonho é promover o bem estar das pessoas e ser feliz. Não pretendo endireitar o mundo mas também não o quero entortar. Viver um dia de cada vez.

 

O facto de ser o pai do Presidente da Câmara da Ribeira Grande, e sendo também Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande, esta ligação nunca o prejudicou no exercício da atividade de Presidente?

Se calhar houve essa intenção e se calhar houve esse prejuízo por pessoas ditas políticas que não merecem o meu respeito. O Presidente da Câmara, o meu filho, por quem eu sinto muito orgulho e muito carinho, pegou-se com o Governo Regional por causa do horário do centro de saúde e isso foi dito publicamente. Nós na altura estávamos a mover influências e a ganhar fundos para reparamos o nosso barco de náufragos, com um valor de cerca de 20 mil euros, e, nesse dia, o secretário regional da tutela dos bombeiros também estava presente e, no final da reunião, disse que o meu filho devia ter mais cuidado e não se diz isso a um pai muito menos ao Presidente da Associação. Tempos depois, veio aqui aos bombeiros em representação oficial e, entretanto, já tínhamos algum dinheiro para reparar o barco, cerca de 5 mil euros, e ele teve o desplante de me dizer que podia ter sido mais se não fosse o meu filho e eu não lhe respondi. Devo dizer que fui Presidente da Concelhia da Ribeira Grande durante 1 mandato e já era membro da direção dos bombeiros. Nunca usei a minha influência partidária para modificar positivamente ou negativamente os bombeiros. Sempre soube e sempre vou continuar a distinguir a parte política com os bombeiros. Os bombeiros estão acima dessas intrigas todas.

 

Sendo a instituição que lidera das mais relevantes dos Açores, só por acaso que na cerimónia dos 143 anos, o Governo Regional fez-se representar pelo Vice Presidente da Proteção Civil e não por um dos seus mais relevantes membros…

Eu quero acreditar nisso. Não concebo de outra maneira porque isso seria mesquinho demais e acho que as instituições não devem ser minimamente beliscadas pelas opiniões políticas de cada um. Aliás, o secretário regional tem tido um relacionamento institucional e exemplar connosco.

 

Entretanto, em janeiro de 2018, na XII Gala do Audiência, foi-lhe atribuído a si, Norberto Gaudêncio, o Troféu Autonomia 2017 por ser, no entendimento deste jornal, uma referência para todos os portugueses que vivem nos Açores….

Eu não sou referência para ninguém. O que faço, faço com gosto e se calhar podia fazer melhor. Não faço nada esperando por recompensa. Dá-me muito prazer. Agradeço o troféu. Toda a gente gosta de ser distinguida com um troféu desses. Se alguém merece são aqueles que me ensinaram durante estes anos todos na área escolar, os clubes, e os bombeiros.

 

O que é que um vencedor do Troféu Autonomia 2017 quer para o futuro dos seus Açores?

O que eu quero para é que a população dos Açores se sinta integrada na sua terra e se sinta com capacidade de igualdade a todos. Eu penso que os Açores têm muitas potencialidades mas nós lentamente é que estamos a libertar os Açores. Deverão e poderão ser cada vez melhores desde que as pessoas que estejam à frente deles trabalhem para os Açores e não para alguns açorianos. Eu quero que daqui a alguns anos os Açores seja uma referência em todo o lado e em todos os aspetos, turismo, segurança e bem estar.