Eduardo Vítor Rodrigues, atual presidente da Câmara Municipal de Gaia, ameaçou, esta noite, abandonar o cargo que preside desde 2013, depois de virem a público as informações de que o procurador do Ministério Público que o acusou é marido de autarca de Gaia do PSD e dirigente do PSD.
Eduardo Vítor Rodrigues mostrou-se abalado com os factos agora divulgados no canal NOW esta tarde de sexta-feira, e admitiu mesmo que “não vale tudo em política nem na vida”.
Segue o comunicado escrito pelo próprio e que, entretanto, já foi publicado nas suas redes sociais.
COMUNICADO
“Procurador do Ministério Público que acusou o Presidente da Câmara de Gaia é marido de autarca de Gaia do PSD e dirigente do PSD!”
Em outubro de 2013, o PS, com uma equipa liderada por mim, teve uma vitória eleitoral para a Câmara de Gaia, imprevista para muitos, os mesmos que se mantiveram inconformados e revoltados com os resultados. A situação não melhorou com os resultados posteriores, duas maiorias absolutas na ordem dos 60% dos votos, vitória histórica em todas as Juntas de Freguesia e em todas as mesas de voto, gerando sempre uma evidente hostilidade anti-PS e anti-maioria municipal.
Desde essa data, começamos a trabalhar na recuperação da Câmara, atolada num caos financeiro reconhecido nos documentos oficiais públicos, do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses aos resultados das Auditorias do Tribunal de Contas, mas também desorganizada e atravessada por vários processos judiciais indemnizatórios.
A situação financeira municipal foi recuperada, tendo atualmente as contas positivas, o investimento tem sido feito em níveis históricos, assumiram-se novos eixos de desenvolvimento sustentável, políticas imateriais dirigidas para as pessoas e para as famílias em linha com as melhores práticas de gestão. Gaia é hoje um município diferente, ganhou dimensão, ganhou rede, ganhou visão, estrutura e acima de tudo um reconhecimento do seu potencial.
Foram resolvidas as grandes litigâncias judiciais, desde logo indemnizações por processos judiciais de 2002, 2004, 2007, entre outros, que chegaram a 50 milhões de euros de pagamentos judiciais, todos pagos neste ciclo autárquico. Pagamos dívidas, juros e indemnizações.
Recuperamos as Empresas Municipais, como as Águas de Gaia ou a Gaiurb, ambas em rutura financeira. Extinguimos a Gaianima, já à época em insolvência.
Esta gestão compatibilizou as boas contas (contas no verde) com o reforço dos investimentos municipais na educação e nas escolas, na saúde e no Hospital, na mobilidade e nos espaços públicos, na criação de programas de inovação social, investimento em habitação e transportes, medidas de apoio social e programas socioeducativos, como o Gaia Aprende+ e o Gaia Aprende+(i), mas também o programa Gaia+Inclusiva ou o Programa Municipal de Apoio aos Cuidadores Informais, entre tantos outros.
Tornou também possível uma resposta eficaz a todos em tempos de COVID, com apoios e medidas de vária índole, sempre num trabalho em equipa, em rede e de grande abrangência.
Nestes quase 12 anos, foram geridos cerca de 3 mil milhões de euros, foram tomadas milhares de decisões. Foram tramitados mais de 100 mil processos de licenciamento urbanístico, muitos investimentos municipais de envergadura, apoio às instituições e às famílias, captação de investimento e de emprego. Tudo isto sem nenhuma imputação judicial séria ou credível, sempre com honestidade e transparência.
Gente ressabiada pela derrota iniciou, desde o primeiro momento, o combate difamatório contra nós:
• Caso IMI: processo de 2016, com proposta de perda de mandato por termos decidido reduzir a taxa de IMI em Gaia (o pretexto seria que, ao baixar o IMI, a Câmara perderia receita fundamental para pôr as contas em dia!). Arquivado.
• Caso autoplágio: acusação anónima de ter usado os meus próprios trabalhos no âmbito da minha tese de doutoramento! Arquivado.
• Caso do selo: acusação de ter usado, para fins pessoais, 1 selo dos correios, 1 envelope e 2 folhas de ofício (acusação, aliás, falsa), pedindo o MP uma indemnização de 3,48€ e… perda de mandato! Absolvido.
• Caso FCP: ida a jogos de futebol pagos pela Câmara; falso, todas as idas foram feitas por convite do FCP, sem quaisquer custos para a Câmara!
• Caso moradia: um ex-autarca acusou-me de ter impedido a aprovação da sua moradia em Gaia. Vai ser julgado por difamação contra mim e contra a Câmara.
• Caso de assédio moral: exoneração de um ex-dirigente municipal por incompetência; o mesmo vinga-se com uma queixa judicial por assédio moral, a Câmara e o seu Presidente foram absolvidos. O queixoso veio, curiosamente, a ser candidato à Câmara!
• Caso Babel: acusação de benefícios ao então Vice-Presidente; o Presidente não é visado, nem na acusação, nem no julgamento. E 21 meses depois de estar detido preventivamente e depois de iniciado o julgamento, vêm os demais arguidos reafirmar que, afinal, usaram o seu nome e pediram dinheiro para si próprios, invocando o Vice.
• Caso do uso de viatura municipal: acusação gerada por carta anónima por uso pessoal de viatura municipal (coisa falsa), gerando pedido de indemnização de 140€ e… perda de mandato!
Os processos pareciam estranhos, mas respeita-se sempre a investigação e acabaram sempre com apuramento da verdade e ganho de causa para mim e para a Câmara. Eram muitas as coincidências, mas quem não deve não teme e todos os processos foram sucessivamente arquivados.
Numa recente participação no canal NOW tornou-se pública a participação, até agora desconhecida, de um magistrado do Ministério Público com interesses partidários diretos a Gaia e ao PSD-Gaia, por relação familiar direta de casamento. É uma incompatibilidade que pode enquadrar muitas coisas: as histórias inexistentes, os prazos acelerados, os argumentos que foram montados.
A história é clara: o Procurador que representou o Ministério Público na acusação em julgamento e na resposta ao Recurso para o Tribunal da Relação do processo em que alegavam a aquisição para uso pessoal de um veículo municipal (coisa falsa, mas julgada com multa de 140€ e… perda de mandato) é casado com uma autarca do PSD de Gaia, alta dirigente do PSD-Gaia e potencial membro da lista do PSD às próximas eleições autárquicas.
Isto foi denunciado por uma funcionária judicial do Tribunal de Gaia.
É evidente que está em causa a idoneidade, a isenção e a credibilidade de todo o processo e das decisões tomadas, está em causa a nulidade do mesmo, bem como um conflito de interesses evidente do dito magistrado e uma inaceitável decisão em causa própria e com claro interesse próprio e pessoal. Os intervenientes devem ser imparciais, isentos e sem interesses associados. Não foi obviamente o caso.
O Tribunal da Relação alterou parcialmente a decisão, mas não a anulou, até porque a resposta ao Recurso, assinada pela referida pessoa, em representação do Ministério Público, e a sua formulação enviesada criou os obstáculos à única decisão razoável – a total absolvição.
Neste processo, iniciado com uma carta anónima, foi feito de tudo um pouco: utilização de provas nulas, criação de fatos inexistentes, assunção de interpretações arbitrárias, decisões erradas. E agora esta incompatibilidade objetiva.
Queimam-se pessoas, matam-se as instituições, sem decoro, nem limites.
É uma participação pessoal do magistrado em assunto político no qual o referido magistrado tem interesse direto. Tem participação na justificação da acusação, tem o desplante de participar no julgamento à frente de toda a gente e de participar na própria decisão, como magistrado do Ministério Público. E, pelo que se sabe, participou também nos festejos sobre tal decisão.
É uma incompatibilidade que mostra que a justiça funciona bem quando se move por critérios claros e transparentes. Mas também mostra que há na justiça, como em todas as áreas, quem estrague as coisas e use abusivamente os seus poderes. Este é um caso.
Fui posto em causa por uma alegada ida à padaria com um carro municipal, um Zoe, tudo com a participação ativa de um magistrado do Ministério Público com interesses pessoais e partidários, coisa que agora se evidencia.
Humilha a política, mas humilha também as pessoas. Estraga a boa imagem do Ministério Público, que é fundamental, criando mais um engulho a um Ministério Público em processo de reforço de afirmação com o novo Procurador-Geral, Amadeu Guerra, que tem restabelecido eixos de maior credibilidade, postos em causa por este caso concreto.
É certo que quem não deve não teme, mas também é certo que quem não deve não está (nem tem de estar sujeito) a tudo. Tenho filhos, família, amigos, que assistem e sofrem, mesmo sabendo que não é verdade.
O jogo político passou para outros patamares, piores, mais perigosos, onde alguns usam e abusam do poder que têm e dos instrumentos que têm e que julgam nunca ser descobertos. O magistrado do Ministério Público tem um interesse claro e direto em prejudicar-me. Imagine-se, ao contrário, o que se diria se o magistrado fosse casado com uma vereadora minha ou com um meu familiar…
Agora espero que a justiça se pronuncie, espero que isto acabe de vez com este processo injusto, irreal e, como se vê, atravessado por obscuridades e questionáveis intercessões. E que seja feita justiça contra quem participou abusivamente nisto.
A justiça tem de se dar ao respeito e isso passa por intervir quando alguém abusa, usa dissimuladamente o seu poder e não assume uma clara incompatibilidade, com consequências na credibilidade e na legalidade dos processos, desta forma penalizando outras pessoas e penalizando a própria imagem do Ministério Público.
Mandaria o básico bom-senso que o magistrado pedisse escusa. Preferiu participar em tudo, talvez convencido de não ser descoberto. Se isto não é incompatibilidade, nunca há incompatibilidades. Se isto não assusta, nada mais se conseguirá perceber. Quantos outros casos destes existem?
Não vale tudo, não temos de estar disponíveis para tudo. Não temos de achar normal sujeitar a família e os amigos a este massacre público gerido por gente sem pudor.
Quando vim para estas funções, vim em missão de serviço, nunca tinha sido político profissional. Talvez por isso, não tive a perceção política das mãos invisíveis que usam e abusam dos seus poderes, querendo fazer política a partir do seu posto na justiça.
Claro que o município não deixará de dar conhecimento às entidades competentes desta investigação jornalística.
No município de Gaia temos um trabalho exemplar, que alguns tentaram manchar com falsidades, denúncias caluniosas e manipulações do poder que têm para enlamear o meu nome e o prestígio desta gestão municipal de quase 12 anos.
Nunca ponderei demitir-me por saber que não tinha feito nada de ilegal e enquanto não percebesse o que se passava. A demissão como critério imediato e sem explicação é o paraíso dos populistas e, em muitos casos, a saída dos inocentes ou a fuga dos comprometidos.
Eu não estava comprometido, não estou comprometido. Mas até agora buscava a lógica e tentava perceber a mão invisível que criava e recriava factos.
Continuo a confiar na Justiça, por isso espero que ela intervenha também neste caso, analisando as incompatibilidades e reconhecendo as incompatibilidades e as nulidades de tudo isto, e excluindo estes atores indignos do poder que detêm.
Estes factos matam a força, destroem a crença na coisa pública. Algo está mal nesta sociedade. Tenho a expetativa de ver reavaliado tudo isto e investigadas estas cabalas, fazendo-se justiça. É da mais elementar razoabilidade que isto não fique impune e que se percebam as motivações contra Gaia e contra o seu Presidente.
Tenho vida muito para além da política. Tenho uma Agregação para fazer na minha Universidade, uma carreira académica que interrompi por uma convicção no bem maior do serviço público, uma família que tem estado exposta aos piores ímpetos da baixa política e da instrumentalização partidária. Tenho livros e artigos para escrever, consultadoria para fazer, livros para ler e família para cuidar.
Não quero continuar num campo onde tudo isto seja permitido, também graças a alguns não-políticos com interesses mais políticos do que os próprios políticos. Por isso, estarei atento aos sinais destas coisas e não excluo a possibilidade de abdicar do meu cargo autárquico, em função do que sinta que está em curso. Não me importo de lutar pela verdade, mas depois dela estar descoberta, não quero estar na lama. Não quero, nem mereço.
Que isto sirva para evitar que outros sejam alvo de novas vinganças, retaliações ou ajustes de contas, à custa do nome de boas pessoas. E peço aos gaienses que analisem tudo isto, que penalizem os manipuladores e saibam que podem continuar a confiar em mim, como sempre confiaram, como Presidente e como pessoa, mesmo como mero cidadão, seu concidadão gaiense.
A política não pode ser uma trituradora onde campeia o ódio transformado no abuso de cartas anónimas e de proximidades pecaminosas para aniquilar pessoas.
Estão a matar a política e, com isso, a democracia. Num tempo em que tudo é misturado, em que a amálgama marca tudo pela mesma bitola, fico a aguardar uma justiça implacável também com aqueles que não sendo políticos, metem a mão invisível na política e tentam manipulá-la aos seus interesses pessoais, destruindo pessoas e projetos. É disso que eu estou a ser vítima. E isso é inaceitável; por isso, ponderarei a minha saída destas funções no decurso dos próximos tempos e dos próximos acontecimentos.