Em vésperas do regresso das Galas do Audiência a Gaia, “brindamos” os nossos leitores com mais um original (o décimo quinto!) do nosso concurso de contos, que entra hoje na reta final.
“Um Caso Policial no Natal” – DÉCIMO QUINTO CONTO
FELIZ NATAL, de Inspetor Al Vy Tã T
«A ideia não era original, mas andava com ela na cabeça, há uns dias para cá, e à medida em que se aproximava o Natal. Lera num jornal, que em certo país do Norte, o modus operandi tivera sucesso, e ainda hoje não se conhecia o autor da façanha. Começara o seu dia, por se “apropriar” de um uniforme de Pai Natal, no armazém dos funcionários do Shopping, que tinham um “S. Nicolau” de serviço em cada piso, e vários equipamentos em excesso. Olhava agora para ele, com suas barbas postiças, como se lhe perguntasse?
‒ Estarás à altura de me ajudares?
E respondia para si próprio:
‒ Sim.
Tirou um café da sua máquina de casa, e observou da varanda, a cidade. Como era grande a cidade. E populosa. E a azáfama das prazenteiras compras de Natal. Que confusão. Que conveniente e lindo alvoroço, para o que iria fazer mais tarde. Cismava e empreendia nas suas ideias, na chatice de cruzar mais um Natal, mais uma passagem de ano, completamente só, caído na mais empedernida e rara solidão. Recordava a zombaria com que o obsequiavam, quando estava com os amigos, de barriga encostada ao balcão do bar:
‒ É pá! Ãh! Sempre a bailares com a mais feia.
Pouco tempo depois, descobriu que essas amizades, eram de pechisbeque. De verdade, tinham apenas a solidez da torpeza, eram robustamente falsas. Arquitetadas sobre embustes. E como uma desgraça nunca vem só, veio a saber, por portas e travessas, que o seu nome fora adicionado à lista negra. A misteriosa e escura lista, manobrada na penumbra, recôndita de toda a gente, e a golpear de surpresa. Aproximava-se o momento de executar, “o que iria fazer mais tarde”, uma vez que a conveniência e propício alvoroço, tinham aumentado. Ora bem, já escolhera o banco. Já escolhera a hora. E o engodo criador de surpresa e inibição. A farda estava operacional. Tinha-a posta a limpar e engomar. O que faltava agora?
‒ Coragem! ‒ Gritavam-lhe aos ouvidos espectros pálidos e caiados, que se soltaram do subconsciente, sem pedir licença.
Para granjear coragem, tinha guardado uma garrafa de rum, daquele que cortava a veia do medo, como lhe transmitira a cultura dos seus antepassados.
Mãos à obra.
No banco, os empregados ansiavam por encerrar o expediente, e irem para as suas casas festejar o Natal. Era justo que uma vez por ano a humanidade, se recordasse dos ensinamentos de Jesus Cristo, embora de um modo geral, não os praticassem.
O gerente olhava pela vidraça da porta de entrada, e avistou um vulto, a atravessar a praça, que lhe pareceu um Pai Natal, enfeitado com alguns farrapos da neve, que começara a cair.
‒ Vem aí mais um cliente. O último cliente, pessoal. ‒ disse para os seus subordinados.
Ele aproximava-se, com uma fiel imitação de metralhadora ligeira, escondida num saco, e um bolo rei, escondido no outro. Entrou sem hesitar. O pessoal não pode deixar de reagir, com certa estupefação. Colocou o bolo sobre o balcão, e disse alto e bom som:
‒ Boas Festas!
O pessoal ficou mais atónito.
Quando começavam a sacudir a surpresa, de cima do seu ânimo alterado, viram então o Pai Natal sacar da arma e dizer a frase já estafada e bolorenta:
‒ Isto e um assalto!
Logo depois, atirou para o caixa, uma saca azul e ordenou com gravidade:
‒ Todo o dinheiro lá para dentro.
E depois imitando um assaltante, do último filme de farwest que vira:
‒ Com calma, para ninguém se aleijar.
A senhora da limpeza, que estava num gabinete ao lado, ouvira tudo e deixara-se ficar. Mandou umã mensagem no telemóvel para a polícia. Na divisão onde estava não havia onde acionar o alarme.
O caixa despejou para a saca o dinheirinho que tinha à vista sobre a secretária, e disse ao assaltante:
‒ Há mais, no gabinete ao lado, onde está o cofre.
‒ Vá lá, não se arme em espirituoso e acabe de encher. Não se esqueça que tenho os seus colegas debaixo da mira.
O sangue frio do assaltante ‒ que ele próprio não sabia onde o tinha encontrado ‒ e à arma com seu aspeto de autêntica, mantinham quietos, como se fossem estátuas de cera, o pessoal. No entanto calmos, sabiam que a mulher da limpeza, que por acaso não se encontrava com eles, já teria de algum modo alertado as autoridades.
No outro gabinete, o caixa despejou o dinheiro que a saca trazia, e acabou de a encher, com os desperdícios da trituradora de papel.
Feito isso, atou-a pela boca.
Entregou a saca ao Pai Natal, que a pôs às costas, e que começou a correr, a fugir praça fora, e acelerou, quando ouviu as sirenes dos carros da polícia a chegar.
Um grupo de vagabundos, que escutara uma conversa, em que asseguravam estar por ali a queimar, um madeiro para o povo se aquecer, viu-o naquele preparo a fugir do banco.
Disse um deles que parecia ser o chefe:
‒ Um Pai Natal de saco azul às costas!
E pensando que tinha dinheiro, atiraram-no ao chão, mataram-no, agarraram o saco azul e puseram-se em fuga, antes que os carros com a autoridade aparecessem.»
O Agente Gazua acabara o conto. Decidira estrear-se na escrita, apenas para passar o tempo que tinha, entre a resolução dos casos. Andava a cogitar hã algumas semanas, a cismar, e a amaldiçoar a sua musa inspiradora, que dera de frosques, cansada do aturar. E não sabia dela, nem onde a encontrar.
Imprimiu o conto, e começou a lê-lo, em voz alta.
Quando acabou percebeu, que de facto não era nada que se apresentasse, e rasgou-o.
Abriu uma nova página no word, o seu processador de texto habitual.
Começou a escrever outro.
Depois com convicção, disse não se sabe bem para quem:
‒ Feliz Natal!