UM JORNALISTA, UM ESCRITOR E UM VIAJANTE APAIXONADO PELA NATUREZA

Gil Nunes é um homem multifacetado que é movido não só por um espírito de aventura como por uma paixão pela literatura.

 

 

Gil está de férias pelos Açores, nomeadamente pela ilha de São Miguel?
É verdade. Eu sou um fanático por trackings, trilhos e natureza e eu juntamente com a minha namorada e um grupo de amigos aproveitamos para realizar um desejo que já tínhamos há alguns anos. Por isso é com todo o gosto que estamos aqui na ilha de São Miguel, depois de termos passado um bom período na ilha Terceira.

 

Gil tu és conhecido por seres uma pessoa multifacetada. Além do teu trabalho profissional, já andaste pelo futebol e escreves livros em série. Fala-me um bocadinho sobre a tua atividade e as tuas fugas na vida.
Sim, eu gosto de ter uma ação multifacetada. Em termos de literatura eu comecei por escrever uns contos num grupo chamado “Há Água em Marte”, que vendia os contos nos cafés literários da cidade do Porto, como o Café Progresso. Aquilo começou a correr bastante bem, o que fez com que eu começasse a ficar bastante entusiasmado por escrever mais a sério. A partir daí escrevi quatro romances, “Os Pensos de Fígaro”, em 2011, “O Pai de Deus é Electricista”, em 2012, “Os Ingleses Gostam de Lampreia”, em 2013 e “Em Busca do Cyborg Comunista”, em 2016. Contudo os dois primeiros livros foram escritos de uma forma que, na minha opinião, eu acho que estão num primeiro patamar, com ideias pouco consolidadas, porque não basta ter uma boa ideia se ela não for seguida de um trabalho e um planeamento. No terceiro e no quarto livro esse planeamento este presente e eu acho que os resultados já foram melhores. Neste último livro dei um salto qualitativo bastante grande, porque o facto de ter a capa do Agostinho Santos deu-me um novo enlace. Por exemplo, alguns artistas plásticos de renome ofereceram-se para ilustrar as minhas próximas obras, por isso agora já não ando à procura deles como andava anteriormente. Isto faz com que eu pense que já deixei de ser o rapaz que escrevia livros, não digo escritor, mas as pessoas já têm alguma referência no que respeita o meu nome e a minha escrita, o que é bastante positivo. Seja como for, a escrita, é uma atividade que eu vou levando mais a sério e que foi correndo bastante bem, por isso, vou deixando as demais de lado. Neste momento estou a escrever um novo romance, “A História do Rei de Lever”, que eu espero terminar este ano para que ele possa ser lançado. Posso afirmar que, de todos os meus trabalhos, este é o único que fala sobre Gaia.

 

O que vai retratar “A História do Rei de Lever”?
A história do livro é baseada num indivíduo negro que aparece em Lever sem mais nem menos, pelo que toda a gente se interroga sobre as suas origens, sobre de onde é que ele veio e de onde é que ele aparece. O livro é um policial, vai haver mortes e o Algarve vai estar relacionado com isso, sendo que a cidade de Lagos, que vai estar representada com algum protagonismo. Posso dizer também que vai nascer uma torre comercial com 15 andares, em Lever e que o desenlace está ligado a uma causa social. Portanto, na obra vai acontecer um pouco à semelhança do que se sucedeu no livro “Os Ingleses Gostam de Lampreia” e o que me têm dito é que o livro que referi anteriormente é um policial que está um bocadinho acima dos outros trabalhos que eu realizei. Eu sinto que tenho uma certa tarimba e que estou mais à vontade nesta área específica, fruto de ter tido uma infância e uma adolescência muito focada na literatura policial e nos filmes policiais. Uma das vantagens do livro que eu estou a escrever é o facto de eu conhecer bens os terrenos. Nos outros livros, como é o caso do romance “Os Ingleses Gostam de Lampreia” eu falei sobre o sul de Inglaterra, e sobre a cidade de Bexhill-on-Sea, mas por muito bem documentado que eu esteja, eu não conheço as cidades tão bem, como as cidades que que eu percorro todos os dias ou os locais nos quais transito com alguma frequência. Perante isto, penso que neste quinto livro eu quis dar esse salto em termos de espaço, ao não pesquisar sobre os locais, porque, a meu ver, o espaço nos meus livros precisava de ser consolidado, daí escrever sobre Lever e Lagos. Eu não vou revelar mais sobre a história até porque eu ainda não a escrevi, ela está apenas na minha cabeça e num caderninho.

 

Já referiste que as tuas influências advêm das tuas leituras mais juvenis de livros policiais, mas tens mais alguma influência? São os locais que visitas que te fazem encarar o cenário dos teus livros?
São os locais que eu visito que também me fazem encarar os cenários dos meus livros. Eu tive, graças ao apoio dos meus familiares, a oportunidade de viajar, por isso já visitei cerca de 40 países durante a minha vida e, para além de eu procurar conhecer as cidades, também procurava conhecer as culturas. Logo, nem todas as minhas influências são portuguesas.

 

Então podemos supor que os 15 dias que passaste pelos Açores vão servir de inspiração para a criação de um eventual cenário para um livro sobre esta região ou no qual esta região tenha intervenção.
Esta região é fantástica. Eu vim cá quando era miúdo tinha 12, 13 anos e, na altura, visitei quatro ilhas e fiquei completamente fascinado. Depois, naturalmente, fui pesquisando e vendo muitos programas sobre os Açores. Admito que tenho a ambição de conhecer as 9 ilhas dos Açores e que sempre tive um fascínio especial pela ilha do Corvo, gostava de saber como é que 400 pessoas vivem numa ilha, como é que essas 400 pessoas fazem o quotidiano, como é que essas 400 pessoas fazem quando têm um problema de saúde, como fazem quando os alunos querem ir para a escola secundária e como é viver num local onde não é preciso trancar a porta do carro ou a porta de casa. Estas são realidades que sempre me deslumbraram. A ilha do Corvo é especial, fascina-me e o meu primeiro livro “Os Pensos de Fígaro” tem uma grande ligação com esta ilha, tanto que depois transladei duas personagens desse livro para “Os Ingleses Gostam de Lampreia”. Logo, as duas personagens açorianas que aparecem nos livros são corvinas. No livro “Em Busca do Cyborg Comunista” também falo sobre o Corvo e as Flores.

 

Gil, este caminho da literatura vai-te levar até onde?
Não sei, pelo menos agora tem-me levado até uma melhoria constante. O meu objetivo é melhorar constantemente e estar no lote dos bons autores portugueses. Sei que ainda tenho um longo caminho a percorrer e que ainda vou cometer alguns erros. Pelo menos, no que respeita o livro que eu estou a escrever, já percebi que a componente do espaço é mais importante do que eu pensava, porque não só a documentação faz parte de um bom trabalho, mas também a vivência. Eu tento contactar alguns escritores nomeados para me darem algumas pistas, com o intuito de saber como é que posso melhorar e sobretudo como posso ser disciplinado, porque para se escrever um livro tem de ser ter uma grande disciplina, uma grande organização e como eu não sou uma pessoa organizada, custa-me às vezes ter essa organização, mas tem de ser. Já entendi também que termos uma boa ideia e termos muita criatividade não chega, pois tem que haver um encadeamento e uma perceção do todo. Portanto, é preciso ter os pés bem assentes na terra e perceber que a influência dos autores é uma influência positiva e que faz um bocadinho a diferença. Eu sou grande apreciador dos trabalhos de João Tordo, no entanto não me cinjo apenas aos autores portugueses, mas também a escritores internacionais como Agatha Christie e Somerset Maugham e tento ainda procurar outros trabalhos, por exemplo, existem autores escandinavos que eu gosto bastante como é o caso de Kjell Askildsen que escreveu o livro “Uma Vasta e Deserta Paisagem”, Yrsa Sigurdardottir que escreveu “Cinza e Poeira” e Audur Ava Olafsdottir autor de “Rosa Candida”. Eu tento fugir um bocadinho do circuito e, por isso, procuro ir buscar essas influências porque eu acredito que elas podem fazer um bocadinho a diferença nos meus trabalhos. Portanto tento despir um bocadinho a pele de ocidental e levar um bocadinho a pele para os países de leste, que eu conheço bastante bem, de modo a perceber como é que eles percebem a realidade e para, a partir daí, fazer uma mescla e tentar conceber um trabalho que seja agradável aos leitores.

 

Já pensaste alguma vez na possibilidade de ter vires a dedicar, em exclusivo, à escrita, deixando a atividade profissional que tens atualmente?
Para já ainda não é possível. Tenho tido um trajeto que eu considero de evolução, mas não vivo compulsivamente a pensar se isso pode ou não acontecer, mas quando se suceder vai ser a concretização de um sonho de vida e todos compreenderão a decisão. Contudo, para já tenho de me dedicar também às outras áreas, com todo o profissionalismo e com todo o rigor.

 

No que respeita as tuas obras mais recentes, tens sentido o carinho de quem as lê ou de quem pode ou deve apoiar?
Sim, tenho sentido. Sobretudo porque tenho tido, nas minhas apresentações, pessoas que não são só os meus amigos ou os meus familiares. Tenho tido algumas pessoas anónimas. Claro que há sempre quem não concorde com um ponto ou outro. Por exemplo, a questão das gralhas, eu agora sou muito mais cuidadoso na revisão dos textos e tenho dois revisores que reveem cada trabalho, porque é muito difícil eu fazer a minha própria revisão e, como tal, eu tenho esse cuidado, também para não receber as críticas que recebi nos dois primeiros livros e que foram justificadas em relação às gralhas, falta de acentos, falta de letras, vírgulas, que são coisas que, para quem lê, podem ser aborrecidas.

 

Dos livros que lançaste já recebeste algum comentário sobre o conteúdo global de alguma obra, que te tenha alertado para alguma situação?
Não, o que as pessoas comentam é que eu sou, geralmente, uma pessoa que não fala muito, por isso, há pessoas que me consideram soturno e até tristonho. Quem me conhece costuma dizer que eu tenho duas faces, eu espero que seja no bom sentido, e eu assumo mesmo isso, porque quando eu estou com os meus amigos e com as pessoas de quem gosto, gosto de contar piadas e sou uma pessoa muito extrovertida, no entanto, eu sou uma pessoa que não tem um ponto de equilíbrio entre o extrovertido e o introvertido. Portanto eu tenho dois radicalismos muito fortes em termos de personalidade. Mas eu não tento mudar isso porque eu sou mesmo assim. Eu liberto-me mais um bocadinho nos livros e muita gente fica surpreendida, porque veem algumas situações com algum humor e com alguma excentricidade. Aliás, muita gente já me disse que estava à espera de uma coisa muito pesada, muito reflexiva, muito filosófica e depois viram trabalhos recheados de ironia e humor.

 

O livro que ainda está em produção vai estar disponível quando? No princípio do ano?
Sim, o livro vai estar disponível no início do próximo, ou no final deste ano. Mas primeiro ainda tenho de o finalizar e de o rever bem. Por isso posso dizer que vai estar disponível num futuro próximo.

 

Não sei se queres acrescentar alguma coisa relativamente à literatura e ao teu trajeto. Qual é o teu objetivo, se é que tens?
Eu acho que há um crescimento próprio e que as coisas vão acontecendo. Sobretudo é importante perceber que eu ainda sou muito jovem e que ainda tenho muito para aprender com muitos autores. Eu agora tenho difundido a minha página, para fazer com que as pessoas fiquem a conhecer o meu trabalho e estou numa fase de pisar alguns terrenos, claro que já tenho alguns consolidados, o que é positivo. Eu sinto que os meus últimos trabalhos são melhores do que os primeiros, o que eu acho que é uma evolução relevante e sinto que a aceitação do público também está melhor do que o que estava. Todavia ainda tenho muita terra para bater, por isso vou continuar a bater terra. Não sei onde vou chegar, mas seja como for as minhas ambições são sempre elevadas. Vou melhorar continuamente e as coisas vão acabar por surgir naturalmente.

 

 

Gil, para além de ser funcionário da Câmara Municipal e escritor, também está ligado ao futebol, nomeadamente ao Sport Lisboa e Benfica.
Eu fui olheiro do Benfica durante dois anos, o que me deu um conhecimento técnico muito amplo do jogo. Atualmente mantenho umas colunas semanais e também faço trabalhos, com alguma regularidade, para alguns jornais russos.

 

O teu trabalho de olheiro era um labor que te cativava, ou surgiu em alguma fase específica da tua vida?
O trabalho de olheiro surgiu de uma forma esporádica, porque, na altura, o Benfica solicitou a alguns jornalistas regionais uma base de dados sobre alguns clubes de Vila Nova de Gaia e eu, como gosto muito de futebol, ofereci-me para participar e para observar alguns jogos. As minhas apreciações foram sendo aceites e eu fui ficando. A partir daí fui vendo o que podia ter dali, mas sempre vi este trabalho como um passatempo, nunca como uma situação profissional. Eu lembro-me que o primeiro jogo que eu fiz, por exemplo, foi o Canelas-Vilanovense, escalão de iniciados, e recordo-me que chovia muito. A vida de olheiro é interessante, eu via muitos jogos das camadas jovens e lidava com os pais, o que nem sempre era muito fácil. Depois de ter terminado as minhas funções de olheiro, fui para o jornal Academia de Talentos, no qual eu trabalhei, durante vários anos, como jornalista das camadas jovens escrevia as reportagens dos jogos do Futebol Clube do Porto e do Vitória Sport Clube. O que me levou à Rússia foi o facto de os jornalistas russos me terem pedido para traduzir algumas afirmações da crónica que eu escrevi, no âmbito da Liga dos Campeões, sobre o jogo Zenit-Futebol Clube do Porto, para russo. Como eles gostaram bastante da minha crónica, contactaram-me e eu passei a fazer trabalhos para o jornal com alguma regularidade. Já escrevi trabalhos que me marcaram, por exemplo, eu realizei uma análise, há dois anos, do Benfica aquando do jogo com o Zenit para a Liga dos Campeões, já fiz vários trabalhos sobre a Seleção Nacional, já fiz uma análise que me marcou bastante sobre a equipa do Paços de Ferreira, quando entrou na Liga dos Campeões, e foi jogar contra o Zenit, em São Petersburgo. Também já tive trabalhos publicados no site da Federação da Rússia e do Zenit.

 

O jornalismo não é uma aventura que te pudesse conquistar?
Eu, para todos os efeitos, sou jornalista. Eu posso dizer que fiz o meu ensino secundário em Economia e que a minha paixão e o meu coração que me levaram a mudar de rumo para o Jornalismo. Muito sinceramente, eu não me estava a ver como economista.

 

E como é que foges ao destino? Porque normalmente, num caso como o teu, sendo tu filho de um empresário de sucesso, era de esperar ver o filho a seguir as pisadas do pai ou secundá-lo na atividade. Mas isso não acontece contigo.
Eu tenho uma relação muito próxima com o meu pai, nós somos bastante cúmplices e falamos regularmente. Eu não sou hipócrita e sei que muito dificilmente vou ter problemas financeiros. Mas, seja como for, eu gosto de ter uma carreira, gosto daquilo que faço e muito sinceramente, não sou movido pelo dinheiro.

 

Nunca sofreste pressão para dar continuidade ao negócio do teu pai?
Não, nunca sofri pressão. O meu pai respeitou sempre as minhas opções e nunca houve esse tipo de situação. Logicamente, eu não posso estar completamente desligado do que se passa na empresa. Eu sei de muitas coisas que se passam e tenho de saber por várias razões e motivos. Posso dizer que eu não me ia sentir realizado, por ser o filho do patrão. Eu quero ter o meu próprio mundo. Quero que as pessoas me critiquem, quero que as pessoas reconheçam o meu mérito e quero viver a minha vida com objetivos.

 

 

BI

Gil Moreira Nunes nasceu a 27 de maio de 1981, em Vila Nova de Gaia e é filho de Licínio Nunes, administrador da Glassdrive e de Ana Laura Nunes, enfermeira no Centro Hospitalar de Gaia. O escritor estudou Economia até aos 19 anos e depois lançou-se no Jornalismo, nomeadamente no Jornalismo Desportivo. Foi colunista do jornal O Jogo sobre desporto jovem e colaborou nos jornais russos Izvestia, Sport Express, Eurosport Rússia e Championat. Gil escreveu vários contos, entre os quais, “Revaltuzia” (2006), “Yawp” (2007), “Amo-te Num Saco de Cimento” (2008) e “Um Cocktail em Alcatraz” (2009) e diversos romances, “Os Pensos de Fígaro” (2011), “O Pai de Deus é Electricista” (2012), “Os Ingleses Gostam de Lampreia” (2013) e “Em Busca do Cyborg Comunista (2016).