“A CULTURA DEVIA SER OBRIGATÓRIA”

Cinco meses depois de receber o Troféu AUDIÊNCIA, Paula Sá está agora em palco com o espetáculo “Espero por ti no Politeama”, de Filipe La Féria. Aos 41 anos, a atriz, cantora e professora admite que trabalha sempre para melhorar e que fica “chocada” ao perceber que os seus alunos “nunca foram ao teatro ou a um concerto”.

 

 

 

Quanto esteve nos Açores ou guardou o segredo bem guardado ou foi apanhada de surpresa…

Fui apanhada de surpresa, completamente.

 

Mas para uma tarefa para a qual está mais do que habituada e numa casa que conhece pelo menos desde os 14 anos…

Sim, foi há 27 anos. Apesar de não ter tido a mesma preparação que seria normal para um espetáculo destes, que é um espetáculo a nível técnico e até para os atores com muito ritmo e complicado porque tem muitas coreografias, tem muitas mudanças de roupa, é uma revista no fundo. E obrigou-me a ter um esforço e concentração, e também uma carga de nervos que foi ter de apanhar este espetáculo já com ele estreado, e ter de estar ao nível dos meus colegas. Mas acho que é um espetáculo que se adequa muito bem a mim, e que gosto muito de fazer, tenho muito prazer em fazê-lo por isso as coisas simplificaram-se. Quando gostamos do trabalho que nos é dado, de repente fica tudo fácil e ganhei o jeito e acho que estou a desenvolver um bom trabalho, que ainda vai a meio. Um ator nunca fecha o trabalho, tem sempre coisas a evoluir, mas eu gosto muito e tem tido muita adesão do público que é ótimo nesta altura do campeonato.

 

E uma atriz que esteve parada durante longos meses em confinamento…

É verdade, metida numa quinta com cavalos e patos, é muito bom retomar.

 

Além de ter talento, caiu numa casa que já conhece, tem um produtor e encenador que é quase um pai, que só dá elogios, e o problema de a lançar é que depois é superior ao que existia. E ainda trabalha com um elenco que, a maior parte, já trabalhou consigo.

Sim, exatamente. São todos da velha guarda mas novos, sou a mais velha. Sou a “dinossaura” aqui da casa. Mas, de qualquer forma, não me sinto assim, tenho de ter um ritmo alucinante, tenho um número que tem mais ou menos oito minutos onde tenho seis mudas de roupa e vou mudando as roupas em cena. Espero que a maior parte do público e dos portugueses tenham oportunidade de ver este espetáculo que vale mesmo a pena. E para mim é um grande desafio, portanto, impõe-me aqui um ritmo em que perdi logo peso, comecei a fazer aulas, porque é preciso, de facto, muita resistência para encarar um espetáculo destes. Mas ainda cá estou para as curvas.

 

O que está a dizer é às pessoas de Ermesinde, Alfena, Valongo e Porto que está em Lisboa e é a rainha aqui.

Quem me dera. Tenho encontrado muita gente do Porto, mas gostava de ver mais pessoas dos arredores, os meus vizinhos de Ermesinde, Alfena, Valongo, Baguim, aquelas pessoas todas a virem com bastante afluência. A cultura e o teatro são seguros, temos todas as condições, o La Féria organiza, juntamente com a produção, excursões para poderem vir cá grupos grandes e usufruírem deste espetáculo mágico porque se realmente os restaurantes, e o pessoal do Norte gosta de comer bem, mas o teatro é o alimento da alma. E é muito preciso hoje em dia. Tenho a certeza que se vierem cá a Lisboa não é só a placa que diz A1 Porto que é o melhor de Lisboa, também temos o Teatro Politeama com este excelente espetáculo.

 

E agora que também é um pouco a “ninfa das lagoas dos Açores” também está na altura de os receber cá.

Quem me dera. Aliás, este espetáculo podia ir para o Porto, para os Açores, mas compreendo que seja um investimento muito caro.

 

Paralelamente a isto, tem os seus meninos…

Sim, tenho uma filha que está bem e sou professora.

 

E continua também com a música.

Sim, claro. Ainda recentemente dei espetáculos no Casino.

 

Mas é preciso muita energia para esta pedalada toda.

Sim, mas tenho de aguentar. Tenho de compensar o tempo que estive parada e realmente acho que está a haver uma afluência e uma vontade de se organizar eventos, de se fazerem espetáculos, de haver alguma liberdade e as pessoas precisam de ver coisas novas, de sair de casa e neste sentido também tenho que aproveitar. E sim, tenho energia para tudo e depois também como abranjo muita coisa, sou atriz e nos espetáculos faço rock, depois tenho um trio de jazz, depois faço pop, pedem-me para cantar uma música e eu tenho uma enciclopédia dentro da cabeça a nível de reportório musical muito grande, e que me permite abarcar vários tipos de trabalhos. Além disso, tenho as minhas aulas, como tirei um mestrado no Conservatório estou apta a dar aulas e é uma coisa que gosto mesmo muito e cada vez quero desenvolver mais esse lado da educação.

 

 

E encontra muitas “Paulas Sás” nas aulas?

Nem por isso, tenho ficado triste e em choque pelos meus alunos nem saberem o que é o teatro, nem nunca terem ido ao teatro. Nem nunca terem ido ver um concerto, há muita falta de instrução nesse aspeto. Acho que a cultura devia ser obrigatória, logo desde tenra idade, os miúdos aprenderem desde cedo a irem assistir a um espetáculo. E vejo-me na obrigação de cooperar nesse sentido para lhes abrir os horizontes, que é o que o teatro faz.

 

Abre os olhos aos alunos, mas é uma mulher do presente e raramente tem folga, mas quando tem folga mental, o que pensa para o futuro?

É raro, não tenho folgas mentais neste momento. Tenho aquele desejo de ter um espaço onde me sinta bem e que possa realmente relaxar e usufruir. A altura da quarentena obrigou-me um bocadinho a pensar, e também a ida aos Açores no quão bom é ter um pedaço de terreno, uma varanda grande ou uma sala para receber os amigos. Gostava agora de ponderar investir num cantinho um bocadinho mais desafogado de maneira a eu puder relaxar. A nível profissional, sou muito desinteressada, procuro sempre dar o meu melhor e procuro sempre estar atenta àquilo que se está a fazer e progredir na minha profissão. Porque, senão, nem é estagnar, vamos perdendo o comboio.

 

A Paula Sá crítica da atriz, cantora, multifacetada que é, como é se quantifica e qualifica neste momento? Acha que já atingiu o auge?

Não. Mas aí é que está a piada, a piada é eu nunca atingir o auge, não quero atingir o auge. Quero estar sempre a pensar que ainda não fiz nada, porque isso dá-me muita estrutura. Eu permito-me não saber o que vem a seguir, acho que isso faz parte do meu código genético enquanto artista porque eu desde os 13 anos que nunca consegui planear um dia na minha vida porque estão-me sempre a trocar as voltas. Portanto, eu agora, com esta idade, já aprendi que não quero saber. Não quero saber, vou-me deixar viver. Sem trabalho não fico, graças a Deus, porque tenho estrutura já para se uma porta se fechar abro 100 janelas.

 

É mulher para guardar as notas debaixo do colchão ou chapa ganha, chapa batida?

Não sou mulher de guardar notas, mas sou mulher de quando tenho algum dinheiro investir na minha formação, por exemplo, que é uma coisa que aqui há pouco. Os atores chegam a um certo patamar em que acham que já não precisam de formação. Eu gosto de investir em workshops, na minha saúde, tenho os meus seguros e, claro, tenho o meu pezinho de meia que foi feito muito tarde, mas não guardo muitos tostões, gosto de viver bem. O Jorge Palma diz uma frase muito interessante que é “reduza as necessidades e passarás bem”. Não sou uma mulher de ter muitos caprichos, mas o meu frigorifico está sempre cheio.

 

Quando alguém a reconhece na rua, como se sente?

Ninguém me conhece na rua. Mas, por exemplo, no outro dia aconteceu-me uma situação que, para mim, é a coisa que mais me faz sentir feliz, que foi sair daqui do espetáculo com a minha filha e ia a passar pela rua e está um grupo de senhoras que estão a olhar para o cartaz e a perguntar “Quem é a Paula Sá?, ai é esta, ela fez um papelão, foi genial”. E aquilo encheu-me o coração e agradeci enquanto ia a passar.

 

Ainda não conseguiu ligar o nome aos trabalhos que faz é isso?

Sim, eu faço muita coisa e as pessoas não conseguem definir. Não apareço muitas vezes na televisão, os trabalhos que tenho feito são sempre muito diferentes, muitas vezes saio daqui e as pessoas não me reconhecem. Consigo fazer muitos bonecos, ainda neste espetáculo há um dos personagens em que as pessoas não me reconhecem e não sabem que sou eu a fazer. E mesmo aqui no teatro há pessoas que perguntam “quem é aquele miúdo que está ali a pensar que é dono disto” e sou eu. Isso dá-me muito gozo.

 

É a “mulher invisível”?

Sim, e não me deixa nada chateada o facto de não ser reconhecida na rua. Por um lado, até é bom.

 

Deixe-nos uma mensagem para o Porto e para os Açores.

Meus amigos, meus amados, não podem perder a coqueluche mesmo no coração de Lisboa este novo espetáculo do Filipe La Féria com a grande marca do La Féria, é uma revista-cabaré, tudo ao pontapé, com muita sátira, muitas músicas lindíssimas, um elenco fantástico, jovem, de sangue na guelra, e tenho a certeza que irá ser um momento inesquecível para todos. E estou cá eu também para vos dar um bocado do meu sotaque e do meu calor do Norte. Para os dos Açores, que saudades, se não vierem cá vou ficar triste, mas tenho que ir aí na mesma vos abraçar. Obrigada por tudo e venham.