“ACHO QUE O TEATRO DE REVISTA HÁ MUITO TEMPO QUE DEVIA SER APOIADO PELO ESTADO”

No final de mais uma exibição do espetáculo “Portugal em Revista”, no Teatro Maria Vitória, em Lisboa, o AUDIÊNCIA esteve à conversa com Hélder Freire Costa que admitiu que, apesar de alguma crise inicial, a revista está a ser um sucesso.

Uma equipa jovem, uma linguagem nova e muita comédia à mistura são os ingredientes desta revista que continuará em palco em 2018.

Contudo, o produtor critica a falta de apoio ao teatro de revista à portuguesa, algo inédito no mundo e que deveria ser reconhecimento, pelo menos, a nível nacional.

 

 

Esta é uma batalha vencida?
Felizmente, foi mais um sucesso e eu estava preocupado com isso porque a revista anterior era mais fácil de conseguir sucesso, uma vez que era uma nova equipa, era a mudança de estilo de escrita, de crítica, etc. Tinha muita juventude, portanto, tinha outra linguagem, e era mais fácil de aceitar. Agora, fazer uma para ser rival da anterior e ser melhor, era muito difícil e eu próprio cheguei a ter dúvidas. Mas a verdade é que estes autores me surpreenderam a mim e a todos, porque conseguiram fazer uma revista ainda melhor que a anterior. Tem muito mais comicidade, é escrita de uma forma muito inteligente, porque, se analisarmos número a número, está lá tudo o que merece ser criticado. Apenas não ofende, as coisas fluem normalmente dentro de um texto com muito humor. E é assim que entendo que a crítica deve ser feita porque atinge muito mais facilmente os objetivos que se pretendem, que é criticar o que está mal, e não ofende ninguém. Antes pelo contrario, obriga-os a pensar que, de facto, as coisas não deveriam ser assim, mas sim de outra forma. Portanto, estou muito contente, tem sido realmente um grande sucesso, é claro que atravessamos aqui um período difícil porque estreamos em meados de setembro e, como sabe, o país esteve a arder, e como se fosse pouco com um incêndio enorme que tinha acontecido no país, houve um segundo incêndio que atingiu uma parte que é quase o coração das pessoas que vêm ao teatro, que é a parte Centro do país, de onde vêm muitas excursões ao teatro. Por isso, sentimos o impacto dessa tragédia. A seguir, vieram as eleições autárquicas, mas desde novembro, e agora em dezembro, estamos já com força e, se deus quiser, esta revista vai ser um sucesso ainda maior. Já é, artisticamente, mas vai ser monetariamente uma revista com maior impacto. Espero que sim porque bem necessito.

 

Este espetáculo também confirma o crescimento de uma equipa de produção e de criadores que começou a sério no último trabalho.
Sim, é uma parceria muito feliz de gente muito jovem. O caso do Flávio Gil é flagrante, tem 27 anos de idade, já fazia parte da equipa anterior que começou a trabalhar há dois anos, portanto, nessa altura tinha 25 anos quando o convidei para ser encenador, que é uma coisa que ele ainda não tinha sido. Portanto, ele agora é completo, tem todas as responsabilidades no espetáculo de revista, desde autor, intérprete, cantor, fadista e, ainda por cima, encenador. É uma figura completa e extremamente importante neste projeto. Depois tenho o Miguel Dias, que toda a gente conhece, já fez muita televisão, que é um exímio cantor, um excelente músico, e um belíssimo ator. E temos o Renato Pinto, também ator, autor. Depois, o Miguel Dias também faz parte da parceria com o Eugénio Pepe na parte musical, e ainda faz os arranjos.

 

Tem, portanto, interpretações excecionais para o espetáculo.
Exato. E feito com gente jovem. Para cativar o público que vai ao teatro de revista, que geralmente é um público mais idoso, é preciso o ator, quando jovem, ter, de facto, muito talento e o público adere incondicionalmente ao espetáculo. E aplaude freneticamente.

 

Também na coreografia há uma continuação, não é verdade?
Sim, a Cleo Malulo foi uma bailarina que trabalhou comigo há uns anos atrás, também uma jovem que começou a trabalhar muito cedo, e, no ano passado, convidei-a para ser coreógrafa. Houve dúvidas de muita gente, mas depois do trabalho feito vieram-me felicitar porque foi uma aposta ganha. De outra forma não faria a aposta, claro. Quando se aposta numa coisa é porque temos a certeza que ela vai sair certa, e saiu. Este ano repeti, agora com ela mais à vontade, com uma belíssima coreografia e, ainda por cima, são artistas que cantam também, portanto, o espetáculo ficou mais musicado. Além de muita comicidade, tem mais música e muito bonita porque o Pepe e o Miguel Dias dão-se muito bem, têm uma música muito bonita qualquer dos dois. Resumindo, temos a felicidade de ter um belíssimo espetáculo.

 

 

Neste trabalho também tem a presença dos seus filhos…
Um de forma ativa sim, o outro também está na vida artística, mas não é bem esta, mas vem cá muito e assim que cá chega vai logo para o piano tocar. Qualquer um dos três filhos me dá muita felicidade. O mais velho tem outra profissão, mas, no entanto, também já teve uma banda de rock metálico. Depois o Francisco já ganhou vários prémios, toca piano como disse, aqui há pouco tempo deu-me uma satisfação que foram três concertos em que ele foi pianista que foram apresentados no Conservatório, na Escola Superior de Música e, posteriormente, em Almada num festival de música. E encheu-me de orgulho. Também já tem a vida lançada, é essa área que ele quer seguir, este é o último ano dele no Conservatório, e agora está na dúvida se vai para a Escola Superior de Música em Lisboa ou outra das boas que há no país, ou se vai para o estrangeiro. Está mais inclinado a ir para o estrangeiro, vamos lá ver se o demovemos dessa ideia, não prejudicando a ambição dele.

 

Há uns anos, quando era primeiro-ministro José Sócrates, a lei do mecenato para a cultura foi alterada e a partir daí as empresas só passaram a ter benefícios fiscais se apoiassem espetáculos de interesse público, do Estado. Acha que essa lei poderia ser novamente alterada, permitindo que espetáculos como estes do Maria Vitória também pudessem beneficiar do apoio das empresas?
Acho que sim. Até do próprio Estado. Já disse isto várias vezes, poucos países no mundo têm uma tradição teatral. Portugal tem essa tradição teatral, e desses poucos países ainda menos são os que têm teatro próprio, do seu povo. E nós temos, daí se dizer teatro de revista à portuguesa. Por isso, acho que devia ser apoiado. Recentemente, um político fez o favor de fazer uma pergunta à Comunidade Europeia, sobre o espaço a dar para que se faça do teatro de revista Património, mesmo que seja local. Já foi dado o primeiro passo, porque esse deputado do Partido Comunista se interessou por isto, porque, como se sabe, o PCP dá muito valor à cultura, honra lhes seja feita. Acho que o teatro de revista há muito tempo que devia ser apoiado pelo Estado. Em tempos, fizemos uma luta para termos o Teatro Nacional de Revista, mas já sabemos que o Estado fica sempre preocupado com isso porque é mais uma despesa, mas a cultura não é despesa. A cultura é sempre lucro. Quanto mais cultura tiver um povo, mais o país avança. O país só avança com cultura, não avança com estupidez, nem com o analfabetismo. E acho que o Estado devia interessar-se e as empresas que dão tanto dinheiro para coisas que não interessam nada, sacam-nos tanto dinheiro para coisas que não interessam nada, deviam também distribuir um bocadinho para o teatro de revista. Antigamente, as grandes empresas contribuíam.

 

Porque entrava nas contas e era dedutível…
Mas também porque quem estava na administração eram pessoas cultas, que gostavam de Portugal, eram patriotas, e apoiavam aquilo que era português. Agora, a resposta que temos é que quando querem ver teatro vão a Paris, a Londres ou aos Estados Unidos. Pois é, felizmente que eles têm dinheiro, outros não têm para fazer isso. Portanto, deviam apoiar também o que é português, apoiar a cultura portuguesa e o teatro de revista que, de facto, faz parte da nossa cultura. Por exemplo, nenhum estrangeiro vem ao teatro de revista porque não lhes interessa, não percebem o que se está a criticar, enquanto os portugueses vêm do Minho ao Algarve. E na revista anterior só nos faltou o presidente da Assembleia da República, mas esteve cá a vereadora da cultura da Câmara de Lisboa, o presidente da Câmara, o Primeiro-Ministro, o Presidente da República e o ministro da Cultura. Estiveram cá todos e todos gravaram depoimentos sobre a importância do teatro de revista e, sobretudo, da qualidade da revista que tinham acabado de ver. Se a opinião deles é essa, é boa, então por que não se apoia, não há coragem? O Presidente da República, ao intervalo, quase que não pode sair da frisa porque a passarela ficou cheia de pessoas para tirarem selfies com ele. E no final veio para a rua e saiu daqui muito tarde porque todos queriam uma selfie com ele. Ele é de uma simpatia atroz. O Primeiro-Ministro já o conheço, tenho amizade com ele, é muito amigo nosso e do teatro de revista. Mas, na verdade, é tudo muito difícil no nosso país. Bem sei que tem de se criar dificuldades para quem concorre a qualquer apoio, porque no meio destas coisas há sempre aldrabões. Mas eu tenho uma vida dada ao teatro, são 53 anos, se tivesse de ser aldrabão já tinha sido há muitos anos, não era agora. Tenho tido é pouca sorte desde que se instalou a crise em Portugal, antes não tive. Só tive quando se instalou esta tremenda crise que destruiu a maior parte das empresas e muitos empresários. Eu só não fui destruído porque sou um lutador e, portanto, estou cá.

 

Que expetativas tem para 2018?
Que seja melhor que este ano. Este ano já subiu um bocadinho, já se vê sorrisos nas pessoas que antes não se via, as pessoas estavam muito preocupadas com a vida, mas este ano as pessoas já se sentiram mais felizes, embora com oscilações. Acho que o Orçamento de Estado também vem, de certa forma, devolver às pessoas parte daquilo que lhes foi roubado, de modo que vamos ver. Tudo isso fará com que haja mais interesse em as pessoas saírem de casa, porque o teatro vive disso, vive das pessoas com ânimo, das pessoas alegres e bem-dispostas. E esperamos que isso aconteça em 2018.

 

O Parque Mayer já sofreu grandes transformações, mas parece que custa a arrancar em termos de espetáculos culturais…
Sim, é verdade. De vez em quando faz-se lá uns espetáculos no Edifício Capitólio com as pessoas em pé, porque aquelas cadeiras são horríveis. O piso é plano, portanto, quem está na terceira fila já não vê o ator no palco. Acho que está mal feito, ou feito com segundas intenções. Eu costumo pedir depoimentos para os programas de sala e uma das pessoas que escreveu um depoimento dizia que o Capitólio estava em obras e que seria um salão de baile. Curiosamente, o primeiro evento que houve no Capitólio foi com pessoal da Câmara, faz agora dois anos salvo erro, a festejar com um jantar e depois andaram todos a dançar. Foi uma premonição, pelos vistos. Depois disso, teve a Rita Ribeiro, que não teve sucesso porque aquilo, de facto, não tem condições, e pouco mais. Houve um concerto do MexeFest mas é com as pessoas em pé. Não é um teatro, é para se fazer concertos, se calhar, ou bailes. Mas teatro não é com certeza, e para ser um teatro nem é preciso gastar muito dinheiro, muito dinheiro gastaram para fazer aquilo que está ali. É preciso fazer algumas correções para que aquilo seja, realmente, um teatro, e que haja teatro. Mas há uma aversão ao teatro em Portugal. Tudo o que é teatro tem ido abaixo. Temos de ser sinceros e chamar as coisas pelos nomes. Desde há muitos anos que querem que as pessoas sejam estúpidas e incultas e de cada vez que se tenta andar um bocado para a frente vêm logo dizer “ai não, não façam isso!”.

 

Mas se temos assim o Capitólio, o que vai acontecer ao Variedades?
Bem, já vi destruírem partes que eram extremamente importantes e no Capitólio vieram com a desculpa que aquilo, antes de eu nascer, era assim. Eu não vi, realmente, mas o que vi, quando lá comecei há 53 anos atrás, o edifício era bem diferente do que é agora. No Variedades já destruíram as partes laterais e a parte de trás que eram os camarins. Há algum tempo questionamos e disseram-nos que ia ser reconstruído, não sei. O que acontece é que aquilo não anda, o letreiro informa que é para ser inaugurado em fevereiro. Mas para tirar um ovni que estava lá, meu e do Vasco Morgado, que fizemos para a revista “Prova dos Noves”, e que custou uma fortuna, demoraram meses. De vez em quando vem alguém fingir que faz alguma coisa, mas aquilo não avança. Em fevereiro não estará pronto, mas tenho medo que tenham destruído aquilo como teatro.

 

 

FLÁVIO GIL, ATOR, AUTOR E ENCENADOR DO ESPETÁCULO “PORTUGAL EM REVISTA”

Depois de tantos elogios no final do espetáculo, como se sente?
Sinto-me muito feliz por mim e por todos, porque há muito trabalho de todos, sem exceção, desde o técnico que é invisível aos olhos do público, ao senhor Hélder Costa e toda a produção e atores. É muito gratificante ver este retorno ao espetáculo.

 

Aos 27 anos ser criativo e ativo no mundo do teatro não é uma faceta ao alcance de qualquer um.
Para já, é um privilégio, porque acredito que haja outros colegas também com muito talento que, se calhar, não têm oportunidade de fazer o que eu faço. Tenho a sorte de ter espaço e lugar, graças ao Hélder Freire da Costa, e fico muito feliz e, sobretudo, grato.

 

Como definiria o coautor deste espetáculo?
O coautor é alguém que tenta procurar tudo junto de todos, aliás, mesmo depois dos textos estarem escritos, pela parceria nos ensaios, muitas horas passamos até com o senhor Hélder a conversar e pedir pareceres. Porque qualquer pessoa nos pode ajudar a valorizar o texto, até os próprios atores, portanto, o autor acho que tem, necessariamente, de estar muito atento a tudo o que se passa à sua volta para de tudo poder retirar algo que acrescente a seu trabalho.

 

Mas o Flávio Gil, apesar de ser coautor, autor, ator, e outras coisas mais, aqui dentro do Maria Vitória ainda faz uma perninha por aí fora, no fado ou escrever outros textos. Como é que arranja tempo e, sobretudo, criatividade para isso tudo?
O Einstein dizia que “quando a inspiração chegar, vai apanhar-me a trabalhar”. E é isso que tento fazer, é ir trabalhando. Uns dias acertamos, outros não, mas o trabalho tem de ser contínuo até porque é um exercício mental também. O escrever só de vez em quando é perigoso porque o cérebro também é um músculo, e eu uso realmente muito essa frase. Vou trabalhando sempre e as coisas vão surgindo, e depois servem para as coisas que vão aparecendo, para as oportunidades.

 

No futuro vai continuar no mesmo ritmo ou está à procura da melhor alternativa?
Da alternativa não estou à procura. Se vierem outras coisas como as que vou fazendo que me permitam continuar, sobretudo, a fazer aquilo que já faço e onde faço, e depois noutras coisas também, maravilha. Mas não procuro alternativa porque não quero alternativas ao que faço agora. Sou muito feliz aqui onde estou.

 

Como prevê 2018?
Para já, entrar com “Portugal em Revista” em força agora no mês de janeiro. Vamos sair do ano bem, felizmente, e vamos entrar muito bem, com certeza. Temos todos muita esperança nisso. E depois começar já a preparar o futuro que é sempre assim que tem de ser.

 

Que cartas tem na manga?
Uma equipa em quem se confie. Que é o caso da que temos agora, portanto, tenho a certeza que para o futuro será a mesma estratégia.