BCR QUER TRANSFORMAR MENTALIDADES EM RELAÇÃO AO DESPORTO PARALÍMPICO

Pedro Bártolo está há muitos anos ligado ao basquetebol em cadeira de rodas (BCR) mas foi há três anos que abraçou o projeto no Basket Clube de Gaia (bcg). O atleta acredita que existe pouca oferta na região Norte do país, tendo em consideração a densidade populacional e, hoje, o clube tem atletas que vêm de longe para treinar em Vila Nova de Gaia.

Pedro, em entrevista ao Jornal Audiência, falou do desconhecimento da população em relação a esta vertente da modalidade e chamou a atenção para o facto do basquetebol em cadeira de rodas poder ser praticado por pessoas que não usam cadeira de rodas no seu dia a dia, e chegou mesmo a dar um exemplo de um atleta do BCG que durante o dia usa prótese, e quando vai treinar e jogar a retira e joga em cadeira de rodas.

O sonho esse, é conseguir ter três equipas de basquetebol em cadeira de rodas: uma equipa A, uma equipa B e uma equipa de iniciação para crianças e jovens. A par deste sonho está também o de convencer mais gente a assistir a jogos e encher pavilhões.

 

 

 

Como chegaste até ao Basket Clube de Gaia, e, mais especificamente, a este projeto novo do Basquetebol em Cadeira de Rodas (BCR) no clube?

A chegada ao Basket Clube de Gaia foi, essencialmente, por convite do presidente que me interpelou, e já me tinha visto treinar algumas vezes na escola onde eu treinava, no sentido de me incentivar a criar uma equipa de basquetebol em cadeiras de rodas no clube. Já existia desde 2011, mas a secção só surgiu com a minha entrada em 2016. Identificamos aqui esta carência que existia, sobretudo aqui na zona envolvente, Porto e Gaia, de uma equipa da modalidade e dada a minha experiência e o meu trajeto foi juntar-se o melhor dos dois mundos: a estrutura de um clube com a vontade de lançar aqui algo ligado à modalidade.

 

É uma carência aqui no Norte?

Sim. Nós temos equipas em Braga, Paredes, Lousada e Vagos…em tempos houve em Vila Pouca de Aguiar, mas de momento não está ativa, pelo menos a nível competitivo, e ficamo-nos por aí. É muito curto para uma área tão populosa como a do Grande Porto.

 

Têm atletas que vêm de muito longe para aqui?

Temos um a vir da Figueira da Foz e outro de Mira, um de Viseu, um de São João da Madeira. Acaba por ser necessário porque a população a que se destina a modalidade já não é muito abundante e, por outro lado, a divulgação e sensibilização para a modalidade é muito curta e ainda não conseguimos chegar ao número de pessoas que desejaríamos.

 

Como foi o início deste projeto? Foi difícil arranjar atletas e convencê-los a jogar?

Foi e está a ser. Só este ano é que conseguimos chegar à cifra dos dez jogadores, que é o mínimo exigido para ter uma equipa de basket a competir e a treinar. Uma das nossas grandes carências é conseguirmos pôr em prática em treino o que, no fundo, encontramos em jogo, mas, inicialmente começamos com três atletas e aos pouquinhos fomos acrescentando. Infelizmente há uma grande dificuldade no que toca aos transportes, a maior parte dos atletas, sobretudo porque estávamos aqui a focar-nos em jovens, debatiam-se com a dificuldade do transporte próprio, e não tendo a autonomia de uma pessoa sem deficiência que se calhar consegue apanhar um autocarro com facilidade para ir ao treino, aqui dependem quase exclusivamente dos pais ou de outros familiares enquanto não são adultos. Por esse motivo já perdemos três ou quatro potenciais atletas que passaram por aqui, mas que por essa dificuldade não competiram.

 

Tu já estavas familiarizado com o desporto, mas é difícil convencer pessoas que nunca tinha jogado a vir experimentar e a sentirem-se ativos? Pessoas que possam ainda estar numa fase de aceitação da sua condição física.

Isso é particularmente desafiante, mas ainda não tivemos muitos desses casos. Quando é em idade muito jovem, como é o caso de dois deles, o Rúben Teixeira e o João Castro, eu apanhei-os ainda muito jovens, com 12 e 13 anos, aí é mais fácil convencê-los. Quando a lesão é contraída mais tarde, aí a situação já complica. Tivemos um caso em particular, que se calhar foi aquele com que nos debatemos com um pouco mais de dificuldade para lhe dar a volta e convencê-lo a experimentar, mas acho que tudo se consegue. Apesar de ser uma dificuldade, não é a maior, a maior se calhar até é fazer as pessoas perceberem que quem pode jogar basket em cadeira de rodas, não são só as pessoas que andam em cadeira de rodas no dia a dia, mas sim uma pessoa com qualquer limitação motora, mais visível ou menos visível a olho nú.

 

Tens aqui algum desses exemplos?

Temos um atleta, que é o caso talvez mais exemplificativo disso, que é o Miguel Reis, que tem uma má formação congénita. No seu dia a dia caminha perfeitamente com uma prótese, quando chega a hora do treino junta-se a nós, tira a prótese e joga numa cadeira. Mas temos casos ainda mais paradigmáticos, que são, por exemplo, ex-atletas de basquetebol convencional que têm uma lesão no joelho que os impede de competir ao mais alto nível na vertente convencional do jogo e que podem fazer a transferência para o basket em cadeira de rodas, que é uma realidade que ainda não é muito disseminada e mesmo quando é, ainda há aquele preconceito de se sentar numa cadeira de rodas e experimentar.

 

E como sentes que são vistos pelo mundo lá fora, principalmente aqui no contexto de Gaia? Em conversa com o presidente ele dizia, inclusive, que são os preferidos na hora dos apoios e patrocínios.

Isso é um caso isolado, Gaia é um caso isolado. Essa facilidade, quer dizer, facilidade não será o termo, mas maior facilidade em captar apoios para o basket em cadeira de rodas em Gaia, eu penso que é uma situação excecional, porque a nível nacional as coisas não são bem assim, pelo contrário, uma empresa é capaz de se chegar á frente com um patrocínio significativo perante um projeto de uma equipa de desporto convencional que ambiciona competir na primeira divisão ou em provas europeias, ou o que seja. No desporto paralímpico são capazes de dar quantias mais modestas, que consideram mais como um donativo e não tanto como um investimento, nesse sentido sim, mas nunca numa quantia avultada necessária para competir numa época desportiva. Aqui acho que temos facilidade porque temos a felicidade de ter um grande apoio por parte da União de Freguesias de Grijó e Sermonde e da Câmara Municipal de Gaia, quer em termos de apoio para o transporte, quer apoio financeiro, como este ano, para a aquisição de cadeiras de rodas e também no que toca ao pavilhão, uma vez que nos dão a possibilidade de treinar várias vezes por semana, sem custos. Nós temos uma situação rara, mas que advém do grande dinamismo que tivemos para conseguir isso.

 

Qual é o sonho que tens para o BCR aqui no Basket Clube de Gaia?

Bom, o sonho é constituir uma equipa competitiva para, não só triunfar a nível nacional um dia, vencer as competições internas, como também chegar às provas europeias de clubes, onde já estão muitas equipas profissionais ou semiprofissionais. Em Portugal, a última vez que uma equipa participou numa prova europeia foi em 2007, já foi há muito tempo, e foi sempre a mesma equipa a competir a nível internacional, foi a APD Sintra. Nós temos o desejo de colocar o BCG também no mapa das competições europeias, mas, mais do que isso, a nossa missão é muito mais de transformar mentalidades em relação ao desporto paralímpico e de constituir aqui um polo de desenvolvimento da modalidade. Queremos ser a referência do país. O meu sonho seria, um dia, ter aqui três equipas: uma equipa A, uma equipa B e uma equipa de iniciação, só para jovens e crianças. Já temos aqui um menino de sete anos a praticar, ele treina isolado com o treinador adjunto e, quando possível, num ou outro exercício que a dinâmica permita, tentamos dar-lhe ali um cheirinho de quatro, cinco minutos, também para não desistir e se manter motivado aqui no grupo.

 

Queria que me falasses um bocadinho do que mudou na dinâmica da equipa com a pandemia, tanto a nível da competição, como mesmo dos treinos e patrocinadores.

Afetou, desde logo, porque eventuais patrocinadores que até se chegariam à frente num cenário sem pandemia, se calhar ficaram um bocadinho mais reticentes em fazê-lo, ainda assim não nos podemos queixar porque tivemos alguns apoios que não nos deixaram ficar sem nada e este ano era vital ter esses apoios tendo em conta que fomos adquirir cadeiras de rodas de competição e só em reparações, uma equipa de basquetebol em cadeira de rodas gasta, para não dizer milhares, mas quase. As cadeiras que usamos nos jogos são diferentes das do dia a dia, apropriadas à prática. Quer as cadeiras pessoais, quer as desportivas, são materiais muito dispendiosos que pode oscilar entre os três e os sete mil euros a unidade e este ano, sem esses apoios, era difícil. Ainda assim, a pandemia teve alguma repercussão na época desportiva, desde logo, mesmo após a retoma, pelo receio expresso por atletas e familiares em que os jogadores continuem a praticar. Agora vivemos um momento dramático e esse temor voltou a vir ao de cima e, por outro lado, também estivemos parados em termos competitivos de março até outubro, isso é evidente que é inevitável que o nível competitivo acabe por baixar um bocadinho. Sentiu-se muito no início da época e ainda se continua a ressentir porque os jogos têm sido a saca rolhas, fizemos quatro ou cinco jogos oficiais. É um bocadinho quando a pandemia o permite.

 

Hoje estão poucos no treino. Disseste-me que os jogadores têm estado reticentes em vir. Qual é a solução? Parar?

Parar eu não acredito que seja solução, e não tem a ver com a necessidade ou impulso meu de querer forçar, de alguma forma, a competição e pôr em causa ou em perigo a saúde das pessoas. Acho que tem de ser dito isto, até ver, não tem havido surtos significativos decorrentes da atividade desportiva, outros países têm defendido isto de forma mais vivamente, que é o caso espanhol que tem dito isso. Em Madrid fecharam portas de tudo o que era sítio, mas vincaram que o desporto continuaria aberto.

 

É seguro?

Eu penso que sim. Se tomarmos as devidas cautelas. Nós temos nos Açores o exemplo, a formação continua a praticar desporto quando no continente há uma ano que não pratica. Temos inclusive pessoas nos pavilhões a assistirem a jogos nos Açores. Porquê?  Obviamente que sendo uma ilha, as coisas são mais fáceis para conter o vírus, mas não só, o desporto no seu todo, mesmo o que vemos no futebol, decorre muito do facto de não serem cumpridas estritamente as normas que deviam ser. Por muito que se identifique, os testes acabam por ser falaciosos, na medida em que se fazemos testes, mas só vamos jogar daqui a três dias, é evidente que corremos o risco de alguém incubar o vírus nesse tempo e ter repercussões. Aqui, eu penso que a solução passaria por, eventualmente, testar, mas também o praticar de máscara, não afasto como possibilidade, tem sido até uma norma na Segunda Divisão Espanhola de Basket em Cadeira de Rodas.

 

Acreditas que estas paragens e afastamentos da competição, pode levar alguns dos teus colegas a desistirem da prática da modalidade?

Felizmente tem sido um ano fértil para o basquetebol em cadeira de rodas em termos de captação de atletas, não tanto aqui em Gaia, infelizmente, mas noutras equipas tem aparecido novos atletas e, até ver, não houve nenhuma desistência, muito pelo esforço desenvolvido pelas equipas técnicas em manter as pessoas ativas e unidas em períodos em que é impossível praticar em pavilhão. Ainda assim, é um risco que estamos a correr à medida que vamos protelando esta impossibilidade de as pessoas praticarem desporto.

 

Gostaria que terminasses com um apelo.

O meu apelo seria para se olhar para a diferença com outros olhos, embora isto possa suar como um cliché, uma redundância, acho que temos de ir ao terreno e ver. Acho que 90% das pessoas que nunca viu basquetebol em cadeira de rodas, ou qualquer outra modalidade paralímpica de relevo, se viesse a um pavilhão e visse, ia ficar surpreendida com a espetacularidade, porque, para se ter uma noção, temos casos de mil pessoas a lotarem pavilhões na Alemanha e na Itália, para verem basket em cadeira de rodas, a pagar. Portanto, fica o repto para que, um dia, e numa pós-pandemia, as pessoas venham aos pavilhões ver.