RICARDO ESTRELA QUER TRANSFORMAR O VITÓRIA NUM CLUBE FAMILIAR E COMPETITIVO

Ricardo Estrela, presidente do Vitória Clube do Pico da Pedra, foi eleito vencedor do Troféu Desporto 2017, na 13ª Gala AUDIÊNCIA, que teve lugar no passado dia 29 de janeiro, no Teatro Ribeiragrandense, na Ribeira Grande e que distinguiu as personalidades e as instituições que se destacaram em 2017.

 

A atribuição do Troféu AUDIÊNCIA DESPORTO 2017 apanhou-o de surpresa, ou acha que o trabalho que tem desenvolvido em prol do desporto, nomeadamente aqui na Ilha de São Miguel, mais cedo ou mais tarde acabaria por levar a um desfecho destes?
A atribuição do Troféu apanhou-me completamente de surpresa. Contudo eu nunca trabalhei, nem vou trabalhar, por esse tipo de reconhecimento. Devo admitir que foi um incentivo muito grande e que foi muito bom receber este prémio, porque é um reconhecimento daquilo que eu tenho feito. No entanto, penso que, se eu analisar bem aquilo que tenho feito ao nível do desporto regional, posso dizer que foi um reconhecimento merecido.

 

Então porque é que um homem que nasceu na Povoação, que passou a viver em Fenais da Luz e que depois casou em Rabo de Peixe, onde passou a viver, foi parar à presidência do Vitória Clube do Pico da Pedra?
Isto é para percebermos que as pessoas não se podem apegar a uma freguesia. Eu fui para o Pico da Pedra porque foi lá que o meu filho mais velho começou, aos 18 anos, a jogar futebol e eu acompanhei-o desde logo naquele escalão e fiquei no Vitória Clube do Pico da Pedra. Entretanto fui para o São Roque, estive lá algum tempo e fui, inclusive, vice-presidente do Clube Desportivo em questão, até que as pessoas que estavam no Vitória viram o meu trabalho e, como sabiam que eu queria vir para mais perto de casa, convidaram-me, em janeiro de 2017, para liderar a Direção do Vitória Clube do Pico da Pedra, algo que aceitei desde logo. Posso dizer-lhe que nunca me esqueci dos tempos que passei no Vitória, pois foram fantásticos, por isso voltei de bom grado.

 

O Vitória antes de Ricardo Estrela e o Vitória depois da sua a entrada em funções, parece não ser o mesmo. O que mudou?
O que mudou foi a forma como se olha para a formação. O Vitória sempre olhou bem para a formação, mas não para a formação de atletas, uma vez que olhou muitas vezes para formação como sendo de homens. Posso dizer que, quase exclusivamente, para a formação de homens. Posso dizer que o clube tinha pessoas capazes à frente das equipas, mas capazes de uma forma mais direcionada para o homem e eu quis manter a mesma postura, mas direcionar a formação do Vitória para o futebol. A diferença está também no facto de nós termos contratado treinadores, todos eles certificados, e como pagamos aos treinadores já podemos exigir algumas coisas que antes, como não pagávamos, não exigíamos.

 

Defina-me o Vitória Clube do Pico da Pedra.
O Vitória é um clube familiar, aliás sempre foi. Posso dizer que todas as pessoas que estão no Vitória possuem um espírito de família. O que mudou foi o que eu quis implementar agora e que passa por possuirmos, para além do grupo familiar, um clube que desportivamente também é competitivo.

 

Quando foi fundado o Vitória Clube do Pico da Pedra?
O Vitória Clube do Pico da Pedra foi fundado a 16 de junho 1992. Portanto, celebrou 25 anos, no passado mês de junho.

 

O Vitória tem quantos sócios neste momento?
Neste momento temos por volta de 320 sócios, que pagam uma quota anual de 10 euros. No entanto, posso-lhe dizer que, no que respeita os pagantes devemos ter cerca de 40 sócios. Sendo que criamos, em 2017, um incentivo para que esses 300 sócios voltassem, tendo apenas de pagar a quota do ano anterior e do ano corrente, mas mesmo assim foram poucos os sócios que conseguimos reaver. Este ano, e agora em primeira mão para o jornal AUDIÊNCIA, conto-lhe que vamos lançar uma campanha cujo mote é “Esquecer o Passado”, a partir da qual os 320 sócios do Vitória podem continuar a sê-lo, se assim pretenderem, e só têm pagar a anuidade de 2018. Aproveito também para relembrar que os sócios têm um desconto de 50% no preço dos bilhetes para os jogos. Logo, considerando que os nossos jogos este ano vão ter o custo de 2 euros de entrada, os sócios só pagam 1 euro para ir ver um jogo.

 

Qual é o número de atletas que o clube tem neste momento?
Neste momento o clube tem 205 atletas, nas modalidades de Futebol de 7, Futebol de 11 e Futsal. Sendo que, na modalidade de Futebol de 11, existem 4 equipas, mais especificamente Iniciados, Juvenis, Seniores e Veteranos. No que concerne o Futsal, posso informar que esta modalidade só foi iniciada em janeiro desde ano e que só temos uma equipa feminina.

 

Quantos técnicos efetivos tem o Vitória?
Nós temos 10 escalões e 13 técnicos certificados, três deles são adjuntos, mas possuem o curso de treinador.

 

Quais são as ambições e projetos que tem em mente para o Vitória Clube do Pico da Pedra?
As nossas ambições passam, para além do que eu lhe disse anteriormente de querermos ter um clube familiar, por querermos um clube competitivo. Nós já começamos isso nos escalões mais baixos, mais especificamente no Sub-10, no qual temos uma equipa de crianças de 9 anos, que neste momento está em 2º lugar no Campeonato e que vai lutar pelo título, juntamente com o Pauleta, com Os Oliveirenses e com o São Roque. Portanto, isto é algo diferente do que aconteceu nos últimos anos. No que respeita as equipas dos restantes escalões, posso dizer que estas não são muito competitivas. Agora vamos é tentar cativar alguns atletas com melhores qualidades para tentar colmatar algumas das lacunas das nossas equipas, uma vez que os nossos objetivos passam por termos equipas mais competitivas e por termos uma equipa sénior muito disciplinada, que seja um exemplo para a formação. Posso-lhe dizer que muitas pessoas este ano quase exigiram que a nossa equipa fosse campeã e é óbvio que nós queríamos que isso acontecesse, mas a verdade é que é uma equipa muito disciplinada, competitiva, e vamos tentar transformar, na próxima época, a equipa disciplinada numa equipa mais competitiva, para ficarmos nos lugares cimeiros, algo que também vai trazer algum retorno à Freguesia.

 

Neste momento o Vitória Clube do Pico da Pedra tem, ou teve durante o ano de 2017, as suas condições melhoradas, nomeadamente com os novos balneários, mas terá, neste momento, os requisitos mínimos para começar a sonhar, ou para concretizar os seus sonhos?
As nossas condições foram melhoradas, todavia nós não podemos ficar contentes com aquilo que nós temos, porque se comprarmos os campos do concelho da Ribeira Grande, com os campos dos outros concelhos, verificamos que os campos da Ribeira Grande são dos menos equipados. Os nossos balneários são novos, mas não correspondem àquilo que nós queríamos, uma vez que aquelas instalações deviam ser compostas por cerca de 4 balneários, considerando o tráfego que temos de atletas. A nossa sede ainda não está terminada, não temos bancos de plástico para os adeptos se poderem sentar, estes sentam-se no cimento e não temos qualquer tipo de cobertura na parte dos adeptos. Portanto, temos muitas coisas a melhorar nas nossas instalações, para que estas sejam atrativas quer aos atletas, quer aos adeptos.

 

 

Considerando o número reduzido de sócios pagantes, como é que o Vitória consegue sobreviver? Tenho de partir do princípio que os apoios públicos ou privados só contribuem para que esta estrutura funcione, ou não é assim?
Exato, não faria sentido se fosse de outra forma. Quando eu recebi o Vitória, recebi o clube sem dívidas e com algum dinheiro, o que me permitiu dar início à minha época, pelo que todo este trabalho que está a ser desenvolvido no Vitória não faria sentido se a Direção anterior não me tivesse dado estas condições. Neste seguimento, um dos meus objetivos quando sair do Vitória é dar mais qualquer coisa ao próximo presidente. Os apoios quer do Governo Regional, através do qual nos candidatamos para a formação através dos contratos-programa, quer da Câmara Municipal da Ribeira Grande, que tem feito um esforço imenso para apoiar, não só no âmbito da formação, os clubes da Ribeira Grande, são primordiais para que nós consigamos “levar o nosso barco a bom porto”. No que respeita os apoios privados, eu posso dizer-lhe que já tivemos alguns apoios privados para a compra de equipamentos para as crianças, mas, atualmente, temos uma pequena parceria com uma empresa de publicidade, denominada “4 Elementos”, através da qual nós recebemos uma percentagem pelo placar publicitário que é colocado no campo. Contudo, isto é algo que só vai ser iniciado no mês de março.

 

Relativamente aos clubes existentes no concelho, quero perguntar-se se existe cooperação entre eles, ou se existe uma rivalidade doentia que não ajuda ninguém e prejudica todos?
Eu penso que a rivalidade, se for no bom sentido, é sempre saudável. Do meu lado eu nunca irei incentivar a rivalidade doentia. Tanto é, que nós percebemos muito bem a situação atual do Clube Desportivo de Rabo de Peixe, que está sem campo e nós não limitamos a entrada de Rabo de Peixe no nosso campo, não ocupamos o nosso campo por completo e não tivemos essa postura. Portanto, Rabo de Peixe utiliza o nosso campo, treina lá, joga lá e não há qualquer tipo de contrapartida para o Vitória, aliás, há prejuízo para o Vitória, porque tive de limitar um bocadinho os treinos dos nossos atletas, mas essa rivalidade doentia não existe da parte do Vitória, nem vamos incentivar esse tipo de rivalidade. Eu sei que, no passado, quando o Vitória também precisou que Rabo de Peixe nos emprestasse o campo por causa das nossas obras, isso não foi possível e o clube teve de se desenrascar por outros campos, porque Rabo de Peixe não nos facilitou a entrada. Todavia, a minha postura não é a mesma, eu facilitei, e facilitei, principalmente, à Câmara da Ribeira Grande porque este problema referente ao campo está nas mãos da autarquia. É importante mencionar que existe alguma cooperação entre os clubes do concelho. Por exemplo, nós já pedimos um jogador a Rabo de Peixe, para a nossa equipa sénior e o clube facilitou a vinda do jogador, mas, de resto, não há muito mais cooperação aqui. Nós temos os nossos atletas, nós vivemos com os nossos atletas e a quem não está contente, nós facilitamos a saída. Quem não está contente com o treinador A, B ou C, ou com algum episódio, nós facilitamos a saída, porque não vamos dificultar a saída a ninguém. No entanto, nós temos de trabalhar, e o meu lema é esse, trabalhar pata que as crianças não queiram sair do Vitória. No que respeita a colaboração entre os clubes do concelho, cada um faz o seu trabalho e se houver qualquer necessidade ou situação, existe alguma flexibilidade de todos os lados, mas não passa disso.

 

Estamos a falar de crianças e o Vitória tem-se feito notar, também ou especialmente, pelos torneios que tem organizado ao nível da formação.
Sim, aliás, uma das minhas grandes prioridades é recrutar crianças com 5, 6 e 7 anos, que gostem do Vitória, para que depois sejam elas a alimentar os nossos escalões todos. Eu acho que não faz muito sentido andarmos, todos os anos, atrás de crianças para engrossar os nossos escalões e o que é facto é que eu ainda não consegui fazer isso. Admito que ainda não consegui fazer um trabalho diferenciado dos outros clubes tanto no escalão Petizes, como no Traquinas, mas trabalho todos os dias para que isso aconteça. Os torneios que nós organizamos dentro dessas idades, mais especificamente o “Pikas Cup” e agora o convívio que nós organizamos em lugar do Pauleta, que não pôde, é no sentido desse trabalho de recrutar crianças para os Petizes e os Traquinas, para que, deste modo, os outros pais vejam que o Vitória está a trabalhar bem nestes escalões e queiram colocar os seus filhos no nosso clube. Estes torneios têm esse fim, tentar trazer Petizes e Traquinas, mas também tem a finalidade de divulgar o Vitória e a imagem do Pico da Pedra, para que o Pico da Pedra seja também o centro do desporto aqui a nível regional.

 

Uns pais que queiram colocar o filho ou os filhos no Vitória, quanto é que têm de pagar?
Zero, nada.

 

Sabe que isso não é recorrente, por exemplo, no caso dos clubes do continente, os pais têm de pagar alguma coisa se quiserem que os seus filhos joguem num clube.
Eu sei, aliás, nós sabemos e temos conhecimento dessa realidade, mas no continente existem muito mais crianças e muito mais atletas para se oferecer aos clubes do que aqui.

 

Esta questão é sobre uma análise da dimensão desportiva no concelho da Ribeira Grande. Se o senhor tivesse o poder de executar uma estratégia desportiva para o concelho da Ribeira Grande, concordava com o que está a ser feito neste momento ou tinha ideias mais ambiciosas? O que é que propunha?
Se nós analisarmos friamente as coisas, podemos dizer estão muito bem encaminhadas. Nós temos bastantes clubes e temos crianças nesses clubes que praticam a sua atividade física, que estudam e que vão ser cidadãos mais saudáveis no futuro. Logo, se examinarmos neste prisma, as coisas estão muito bem como estão. No entanto, se analisarmos sob uma perspetiva mais competitiva, eu diria que se o concelho da Ribeira Grande quer ter equipas de futebol muito competitivas e que estas sejam as melhores da ilha, para que se consigam debater de igual forma tanto nos Regionais e como nos Nacionais, seria necessário reduzir o número de equipas do concelho da Ribeira Grande, sem dúvida, isto porque se tivéssemos só uma equipa, essa equipa seria muito mais competitiva do que as quatro que existem atualmente. Eu não estou a falar só na equipa sénior, pois as equipas seniores não me preocupam muito, preocupa-me mais a formação. Se nós, na formação, quiséssemos ter equipas mais competitivas teríamos de ter menos equipas e se nós queremos ter as crianças a praticar atividade física, temos de manter as coisas como estão, porque quantos mais clubes existirem, mais crianças estão no desporto e se reduzirmos o número de clubes, vamos reduzir o número de atletas e vão ficar muitas mais crianças sem a prática desportiva.

 

Mas para seguir a sua ideia, podiam, por exemplo, existir os clubes que já existem ou até mais, que seriam escolas de formação, e um clube que captaria os melhores para transmitir a imagem do concelho, por exemplo.
Sim, é uma possibilidade. Isso é o que deveria acontecer aqui na ilha com o Santa Clara, por exemplo. O Santa Clara deveria de ter a equipa sénior, basicamente formada à custa dos atletas das diversas equipas que está a formar, mas isso não acontece e isso não acontece porque os nossos atletas também não querem treinar o suficiente.

 

O clube vive de apoios, como referiu anteriormente. Neste contexto, acha que a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal podiam ir um pouco mais além, ou acredita que aquilo que dão ao Vitória e aos outros clubes já é o suficiente?
O apoio ao desporto tem sido sempre muito pouco, consequentemente, o dinheiro que vai para o futebol também é muito pouco, principalmente se analisarmos o montante que se gasta com os indivíduos que têm cancro do pulmão.

 

Senhor presidente, se tivesse de apresentar um caderno de encargos à Câmara Municipal da Ribeira Grande e à Junta de Freguesia neste momento, o que é que iria incluir nesse caderno? O que é que a Junta e o Município poderiam oferecer ao Vitória, para que o clube se torne mais forte e possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade na qual está inserido?
Considerando o que o Vitória representa para a Freguesia, esta deveria, pelo menos, garantir-nos a presença de três funcionários a tempo inteiro, um para o campo, outro para as limpezas e outro para a nossa secretaria, e, neste momento, destes três funcionários não temos nenhum. Posso dizer que estas três pessoas são essenciais para que se consiga resolver tudo o resto. No que respeita a Câmara Municipal da Ribeira Grande, esta deveria garantir-nos melhores instalações e melhores transportes. As melhores instalações estão relacionadas com a conclusão das obras da sede, com a construção de mais dois balneários e com a construção de uma bancada condigna, não esquecendo os transportes.

 

Acredita que a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal da Ribeira Grande vão dar uma resposta positiva aos apoios solicitados, depois de lerem esta entrevista?
Sinceramente, eu não acredito.

 

Não acredita nem no Alexandre Gaudêncio, nem na Elisabete Amaral, é isso?
Eu acredito que eles têm muito boa vontade, agora não acredito que eles estejam despertos para esta realidade. Nós, para conseguirmos evoluir, precisamos que estas situações sejam resolvidas, com a maior brevidade possível.

 

Na sua opinião, qual tem sido o papel da Associação de Futebol de Ponta Delgada? A AFPD tem feito tudo o que está ao seu alcance, ou também adormeceu e não faz nada?
A Associação de Futebol de Ponta Delgada organiza os mais diversos torneios. Não apoia, mas organiza e em termos de organização não podemos apontar erros, porque eles não têm acontecido, uma vez que os árbitros aparecem nos jogos e que as equipas comparecem à hora marcada.

 

Corrija-me se eu estive errado, o ano passado houve uma equipa da Ribeira Grande a festejar um título que depois lhe foi tirado.
É verdade, de facto, isso aconteceu com Rabo de Peixe no Futsal.

 

Então qual é a organização da Associação de Futebol de Ponta Delgada, é assim tão boa e comete estas falhas assim tão graves?
É uma falha grave, mas eu não me posso pronunciar muito sobre isso porque não conheço ao pormenor o que aconteceu, mas é uma falha grave o facto de ter tirado um título a um clube.

Este ano quantas vezes é que os membros da Associação, nomeadamente o presidente, estiveram no campo do Vitória Clube do Pico da Pedra?
Que eu me lembre, nenhuma, nem na nossa inauguração se dignaram a aparecer no Vitória. Se calhar porque o Vitória estava adormecido, mas agora já se começam a aperceber de que o Vitória está bem vivo e já começam a olhar para o Vitória de uma forma diferente. Mas, no que respeita a Associação, a Associação organiza e não vejo mais nada. Não vejo uma preocupação grande em desenvolver os atletas de São Miguel e no que concerne a proteção dos clubes mais pequenos, esta não existe e eu acho que a Associação devia ter um papel fundamental na mesma.

 

Relativamente à Associação de Futebol de Ponta Delgada, não acha que o trabalho que é desenvolvido pelo Vitória não mereceria, por exemplo, a disponibilização por parte da Associação, de técnicos? Não acha que a Associação de Futebol de Ponta Delgada seria um parceiro estratégico importante, até porque tem maior possibilidade de arrecadar receitas e verbas para poder contribuir para a formação dos atletas, disponibilizando técnicos de uma forma gratuita, pagando bolsas de emprego?
Eu posso-lhe dizer que, a maior dificuldade que eu tive foi arranjar diretores para os escalões. Diretores, pessoas particulares que se disponibilizassem a ajudar o treinador. A minha segunda dificuldade foi contratar treinadores e eu, na altura, liguei para algumas pessoas da Associação a pedir recomendações de treinadores, mas a Associação não me aconselhou ou sugeriu nenhum, ou seja, nem teve essa amabilidade. A Associação, neste momento, só está a retirar dinheiro aos clubes. Eu fui há pouco tempo à Associação para reclamar o facto de me estarem a cobrar dinheiro por transferências dos escalões, que não me deviam estar a cobrar, porque se eu abro um escalão de novo, é óbvio que eu tenho de ir buscar crianças a outros sítios. Muitas dessas crianças já não jogavam futebol e eu fui buscá-las, porque elas jogaram, há quatro ou cinco anos atrás, noutros clubes, mas, entretanto, deixaram o futebol, até que vieram para o Vitória e eu tinha de pagar 35 euros pela transferência dessas crianças. Neste seguimento, eu fui à Associação, fui reclamar que não devia estar a pagar este tipo de coisas e fui apelidado de ser o único a estar preocupado com esse tipo de situações, que nunca ninguém vai lá reclamar por ter de pagar dinheiro à Associação. Portanto, neste momento, a Associação tira dinheiro aos clubes para executar aquela organização sobre a qual eu falei anteriormente, quanto mais para pagar aos treinadores para o Vitória formar. Se calhar deveria ser assim, mas não é isso o que acontece. Não é isso o que acontece neste momento e eu acho que isso nunca irá acontecer.

 

“Nunca irá acontecer” é uma expressão muito dura e muito forte. Quer dizer que não acredita que um órgão tão importante como a Associação de Futebol de Ponta Delgada está aberto a novas correntes? Será por isso que o futebol em Ponta Delgada está cada vez mais no fundo da tabela dos campeonatos nacionais de futebol?
No que respeita a Associação, eu penso que não há muita volta a dar, pelo menos no panorama atual. Vejo a Associação, como eu já disse, para nos apoiar em termos de calendarização e para tirar bastante dinheiro aos clubes para pagar essa mesma organização. Vejo também como sendo um local onde existem algumas pessoas que organizam algumas seleções de São Miguel, que não servem para nada, que quem participa nessas seleções são os meninos das chamadas “equipas grandes” e que esse dinheiro em vez de ser empregue no apoio às equipas e à formação, serve para organizar estes torneios interassociações, que não servem para nada, uma vez que não existe outro tipo de competição. Atualmente, eu não vejo a Associação a mudar o paradigma que eu tenho visto nos últimos anos.

 

Considerando que tem uma visão diferente sobre o Futebol em São Miguel, o que é que deveria ser feito para esbater esta diferença entre continentais e insulares, nomeadamente São Miguel?
É uma doença cuja cura é muito difícil. Há treinadores e entendidos do futebol que culpabilizam a falta de formação dos treinadores, há outros que colocam as culpas na falta de vontade dos atletas açorianos em treinar, há outros que colocam a culpa na Associação. Ou seja, toda a gente coloca a culpa em toda a gente, no entanto, não vejo ninguém a fazer algo para mudar esse paradigma, para fazer a diferença. No meu entender, eu acho que a culpa está no facto de os melhores atletas estarem concentrados em dois ou três clubes de São Miguel. Há um ou dois clubes que têm poder sobre os atletas e que possuem bons atletas, o que faz com que, ao longo do ano, não precisem de se esforçar muito para serem campeões. Por exemplo, este ano o São Roque foi campeão no escalão dos juniores e tinha na sua equipa dois ou três atletas muito bons, sendo que os outros clubes estavam fracos. Portanto, o São Roque, ao longo do ano, quase que passeou no campeonato de juniores e não precisou de treinar muito para ser campeão, porque não lhes foram colocadas as devidas exigências. É obvio que se estiveram um ano inteiro sem precisar de treinar muito para ganhar, depois quando vão para os nacionais e se deparam com equipas que lutaram a época inteira para conseguirem alcançar uma melhor posição, vão ter muita dificuldade, porque não é num mês a treinar intensivamente que vão obter resultados. O facto de concentrar os atletas bons numa equipa só faz com que estes diminuam a sua intensidade de treino e não evoluam muito como atletas. Se nós tivéssemos as coisas divididas nos clubes e se cada clube tivesse 3 ou 4 atletas bons, outros medianos e outros mais ou menos, eles iam ter de trabalhar muito mais, ao longo da época para serem campeões e trabalhando muito mais, apesar de serem uma equipa mais fraca do que a do São Roque, se calhar quando fossem aos nacionais estavam muito mais bem preparados.

 

E como é que é possível evitar isso?
É assim, existe uma coisa radical para evitar isso, que é o que acontecia há uns anos atrás e que impossibilitava um atleta que pertencia a um determinado clube de sair daquele clube até ao final da sua formação. Eu também não concordo com isso, isso foi uma situação sobre a qual os próprios tribunais decidiram, e muito bem, que os atletas são livres no final de cada época. O que é que nós temos de fazer nos clubes para que isso não aconteça? Nós temos de dar condições às crianças, em termos técnicos, em termos de equipamentos, em termos de instalações e faço aqui a ponte novamente para a falta de instalações que o Vitória tem e que não nos são proporcionadas pelas entidades públicas, para que os atletas não queiram sair do Vitória Clube do Pico da Pedra e não querendo sair do Vitória e não querendo sair do Clube Desportivo Rabo de Peixe e não querendo sair do Clube Desportivo de São Roque e não querendo sair do Clube Desportivo de Santa Clara, se aqueles 3 ou 4 atletas bons se mantiverem ali, vão incentivar os outros também a evoluírem e vamos ter atletas muito mais competitivos, que vão trabalhar muito mais.

 

Mas qualquer criança quer jogar e quer ter orgulho do clube que representa, ou seja, quer estar numa equipa vencedora e se houver um projeto vencedor eles não o trocam, isto quer dizer que a maioria dos projetos que existem são perdedores?
São perdedores porque nós não possuímos muitas crianças que nos permitam ter várias equipas com projetos vencedores.

 

O Vitória, por exemplo, tem uma boa equipa de SUB10 e, provavelmente, pode oferecer um projeto vencedor às crianças do SUB10, porque elas serão vencedoras hoje, serão vencedoras amanhã e ainda mais vencedoras no futuro.
É nisso que nós vamos trabalhando. Nós vamos trabalhando para que sejam campeões e, se não for este ano, será para o ano. Nós vamos dar-lhes os melhores técnicos e as melhores condições e vamos incentivar o treino. Quando eu referi que há vários culpados, os atletas também têm uma boa parte da culpa, porque alguns não querem treinar e nós temos de os incentivar ao treino e se nós dermos condições a essas crianças, elas vão, certamente, ficar no Vitória e é essa a minha luta diária, para que as crianças não queiram sair do clube.

 

Diga mais de sua justiça.
Para finalizar, eu quero agradecer a todos os elementos da minha direção, pois têm sido muito presentes, ativos e incansáveis. Posso dizer que o meu trabalho, sem eles, não tinha os frutos que está a ter. Quero também agradecer aos treinadores e aos diretores do Vitória, que têm dado o máximo de si e eu incentivo-os a fazerem isso mesmo, a darem cada vez mais de si e a contribuírem para que as crianças melhorem como homens e como atletas. Aproveito também para fazer uma chamada de atenção grande para os pais, pois eles têm um papel fundamental e muitas vezes as crianças saem dos clubes onde estão bem, por causa dos pais, porque “os meus filhos só jogam onde eu quero que eles joguem, não é onde eles querem”. A verdade é que os pais são muitas vezes convidados a levar as crianças para outros clubes. Eu quero alertar os pais para este facto, porque eles devem deixar os dirigentes dirigir, os treinadores treinar, as crianças treinar, apoiar os escalões, criar claques, portanto, apoiar de uma forma positiva. É um facto que as crianças não podem jogar todas ao mesmo tempo e que nem todas têm as mesmas aptidões, mas é preciso respeitar isso, porque o importante é que as crianças pratiquem atividade física e há muitas crianças que abandonam precocemente a prática de futebol, por causa da intervenção contínua dos pais.

 

BI

Ricardo Estrela é natural da freguesia da Povoação, da Ilha de São Miguel, mas viveu durante muitos anos nos Fenais da Luz, porque o seu pai era guarda-redes profissional do Mira Mar Sport Club, até ir para a Tropa e, depois, casar.

O militar, apesar de sempre ter adorado jogar futebol, não o podia fazer, porque o seu pai não permitia e dizia-lhe que o futuro dele tinha de partir dos estudos e, na altura, quem jogava futebol não estudava.

No entanto, Ricardo Estrela é o atual presidente do Vitória Clube do Pico da Pedra, está no futebol há cerca de 8 anos como diretor, vive há 20 anos em Rabo de Peixe e é Sargento do Quadro Permanente.