“SÓ O PÚBLICO É QUE ME MANTÉM VIVO E DÁ FORÇAS PARA CONTINUAR”

Com espetáculos totalmente esgotados até ao início de janeiro, Filipe La Féria já pensa no futuro e anunciou em primeira mão, em entrevista ao AUDIÊNCIA, que tem já dois novos projetos para o próximo ano. Um deles é o tão esperado “Mamma Mia”, que Filipe La Féria espera levar, quem sabe, a Vila Nova de Gaia, já que, “o Porto lhe está vedado”, segundo o próprio.

O encenador critica também a falta de apoio dado à cultura em Portugal, admitindo mesmo que a “democracia não chegou à cultura”.

 

“Aladino” é o seu novo espetáculo infantojuvenil e que tem tido muito sucesso.
Toda a gente diz que o “Aladino” é um musical genial porque existe um génio, e que é o melhor que já fiz. Mas não é um espetáculo infantojuvenil, é um espetáculo para toda a família. O “Aladino” está no palco da Broadway, no “West End”, está em Londres, está em todo o lado. Aqui é que as pessoas rotulam muito as coisas, mas já fizemos muitos espetáculos à noite, acabamos de estrear seis espetáculos no Teatro Politeama, cinco do “Aladino” e um da “Comédia Fantástica”, e no Casino do Estoril, mais dois espetáculos. Portanto, demos oito espetáculos. Mais a Rita Ribeiro que está em Portalegre, portanto, são 10 espetáculos só num dia.

 

E os espetáculos com a assinatura de Filipe La Féria continuam a ter a aceitação do público?
Têm uma adesão extraordinária. Só o público é que me mantém vivo e dá forças para continuar, porque não há na história do teatro português uma pessoa que, de facto, atraia multidões para o teatro. Hoje, por exemplo, desde as nove da manhã que estamos a fazer espetáculos, são uns a entrar e outros a sair. E é extraordinário, com todos os espetáculos lotados. No Casino estão esgotadas as duas sessões, estas seis sessões também estão completamente esgotadas. Aliás, estamos esgotados até ao início de janeiro.

 

Serão estas multidões que não perdem os seus espetáculos que assustam o poder político autárquico?
Não sei, Portugal é um país de inveja, é um país muito pequeno. E o maior crime que pode fazer é ter êxito. E eu tive, de facto, vários sucessos na minha vida, desde o “Passa por mim no Rossio” o público nunca mais me deixou. Não me deixam parar. Por vezes, estou cansadíssimo porque produzo quatro ou cinco espetáculos por ano, e o público não me deixa parar, quer sempre mais espetáculos. Estão sempre a perguntar qual é o próximo, porque não faço isto ou aquilo. Acho que se tornou uma marca que o público gosta. Agora, o poder acha que eu ganho muito dinheiro e que não preciso de nada deles. Também não ando a beijar-lhes as botas e digo tudo o que penso. Acho que não há política cultural em Portugal, como homem do 25 de Abril, que acreditou muito no 25 de Abril, acho que a democracia não chegou à cultura. A cultura continua a ser uma arte de elite, veja o cinema, para não falar só do teatro, é para uma pequena elite que se julga superior aos outros e faz uma cultura muito sofisticada ou então temos a cultura popularucha, pimba. Ou seja, temos ou o muito mau, ou só para uma elite. Não há política cultural, é sempre para os amigos ou para as pessoas dos partidos, e é com muita tristeza que digo isto.

 

Mas, mesmo assim, tem conseguido sobreviver…
Eu tenho sobrevivido, mas houve companhias históricas como o Teatro da Cornucópia e tantas outras, que já foram destruídas e muitas anunciam o fecho das suas casas de espetáculo, porque é insustentável pagar tantos impostos. O Estado mata as empresas com os impostos. Num bilhete vendido, 13% são logo para os impostos, mais a luz, mais a renda do teatro, mais a água, mais os bombeiros que são caríssimos. Para ter noção, um bombeiro custa mais que uma primeira atriz da companhia. O Estado leva tudo. Eu até não me importava de não ter subsídios, mas podia ser, ao menos, como em Espanha, que não têm subsídios, mas não pagam impostos, ou seja, têm grandes benefícios. Na época do famigerado Engenheiro Sócrates, cortou-se a única coisa que dava ânimo às empresas para ajudarem a cultura, que era a lei do mecenato. Ora, se as empresas não têm nenhum benefício fiscal não ajudam a arte. Só a publicidade é muito pouco. Mesmo assim, tenho a sorte de algumas empresas me ajudarem, mas não é com dinheiro e quando é, é muito pouco. Por exemplo, o Montepio ajuda, mas é uma verba pequeníssima. Nos tempos do “Passa por mim no Rossio” ou da “Maldita Cocaína”, há 24 anos, conseguia grandes apoios dos bancos, das seguradoras, hoje é impossível porque não há lei do mecenato. A lei do mecenato só beneficia o próprio Estado. Somos considerados comerciais quando isso é uma injustiça enorme. Depois, somos um país onde não há um Teatro Nacional, que o Almeida Garrett fez para divulgar a dramaturgia portuguesa e que não divulga nada, nem sequer os grandes atores estão no Teatro Nacional. A Eunice Muñoz, o Ruy de Carvalho, a Manuela Maria, etc, eram atores que deviam estar no Teatro Nacional. Fazem performances, intervenções, fazem um reportório próprio de um Teatro Experimental e não de um Teatro Nacional. A Companhia de Bailado não admite bailarinos há mais de 10 anos, não temos uma Companhia de Ópera, com tantas vozes maravilhosas que andam por aí e que só têm como solução sair do país. Portanto, quando digo que a democracia não chegou à cultura é uma verdade absoluta, mesmo os nossos grandes escritores, raramente publicam livros, têm uma grande dificuldade. Entrar numa livraria é ter vontade de chorar, é só livros de cozinha, e basta ver a televisão que há em Portugal, é de um empobrecimento total das pessoas, com séries, telenovelas a toda a hora em que não se vê os atores, vê-se meninos e meninas a mostrar o corpo, e depois os atores fazem de criados, do senhor da mercearia, ou seja, não têm papéis. Os atores que o público gosta não estão na televisão porque os outros são muito mais baratos. Até pagam para fazer telenovelas para serem conhecidos pela vizinha! E este panorama que temos é muito triste e como dizia o Lorca, “o teatro é sempre o barómetro da cultura de um país”, e isto é o reflexo do que se passa no país.

 

Além de um imenso criador de espetáculos, é também um imenso criador de bons atores. Aliás, fora da companhia de Filipe La Féria, neste momento, estão dezenas de atores em grande destaque.
Sim. E não só os de Lisboa, mas também do Porto. É uma grande injustiça eu não ir ao Porto. Fiz um trabalho no Porto que me saiu do pelo. Eram milhares as pessoas que iam ao Rivoli e os espetáculos estavam oito ou nove meses em cena. E a primeira coisa que vejo no discurso do atual presidente da Câmara do Porto é que não quer espetáculos no Porto do Filipe La Féria e dos seus similares. Não sei quem são os similares que ele acha, mas deve ser essa gente maravilhosa que eu criei ali durante quatro anos no Porto e que agora também tiveram que fugir do Porto para terem as suas carreiras e para a realização das suas vidas.

 

Apesar da tristeza que lhe vai na alma…
Muito grande!

 

Mas não baixa os braços e continua.
Não, porque tenho este público maravilhoso. Não há na história do teatro português uma pessoa que faça, diariamente, oito espetáculos, sempre cheios. Mas não pense que isto economicamente é muito vantajoso porque não é. Temos de pagar tanto, mas tanto, veja a quantidade de bombeiros que hoje tiveram de passar por este teatro. Vão ganhar mais do que o pobre ator que teve de fazer oito sessões. Isto é muito injusto. O que se passa em Portugal é de uma enorme injustiça. Dizem que vivemos em democracia e liberdade, mas há uma grande mentira em tudo isto. Há, de facto, em Portugal, dois países, o país que vive do Estado e o país que paga os impostos, não vive do Estado e tem de trabalhar como escravo.

 

O ânimo que tem vem do sucesso e do público que não o larga e vai haver mais aqui no Politeama, não é verdade?
Exatamente. Estou a preparar dois grandes espetáculos, para a primavera, e é a primeira vez que vou anunciar. Estou a preparar o “Mamma Mia”.

 

Que é algo esperado há muito tempo e com muita expetativa.
Há muito tempo, é verdade. E escrevi também uma nova versão da “Severa” que é muito bonita. “Severa a mãe do fado”. São os próximos espetáculos, aliás, a “Severa”, no cinema, teve uma interpretação de uma atriz de Oliveira do Douro, Dina Teresa. Mas desta vez vai ser diferente. A “Severa” é uma história maravilhosa passada nas lutas liberais e que tem muito a ver com o tempo que estamos hoje a passar. Por que nasce aquela mulher que cantava o fado e por que nasce o fado, porque também é fruto, como tudo, da circunstância política, de miséria absoluta, de pobreza e devastidão, que Portugal vivia na época com uma luta fratricida entre os dois irmãos, D. Miguel e D. Pedro, que gera, depois, o liberalismo em Portugal.

 

Sei que tinha uma grande ambição de levar alguns dos seus espetáculos a Vila Nova de Gaia. E sabendo até que o atual presidente da Câmara é um grande apreciador dos seus espetáculos, aliás, só no “Jesus Cristo Super Star”, ele foi meia dúzia de vezes assistir ao espetáculo…
É verdade. E mando um repto ao presidente da Câmara. Gostaria muito de apresentar os meus espetáculos, já que me é vedado o Porto, em Vila Nova de Gaia. Tenho a certeza que aquele imenso público do Porto acorreria a ver espetáculos como o “Aladino”, ou o “Mamma Mia”. Dou estas cartas ao meu querido amigo Eduardo Vítor Rodrigues.

 

Esses dois novos espetáculos, vão estrear no Politeama?
Estreia primeiro um, e depois o outro.

 

Mas já no final do ano o Politeama vai receber um espetáculo que vem do Casino do Estoril.
Sim, mas completamente remodelado. É a “Volta ao Mundo em 80 Minutos” que aqui vai ter até um novo título, “A Volta ao Mundo no Politeama” com o meu grande amigo e grande comediante, João Baião, que tem neste espetáculo a interpretação da sua vida. É com novos números, é por exigência do público, porque o espetáculo já foi visto por mais de 150 mil pessoas mas, como muitas pessoas dizem que o Estoril é longe, agora, não têm desculpa. Aqui os espero no Politeama e também há muita gente dos Açores que vem de propósito ver o espetáculo, não só dos Açores mas também da Madeira. E isso aquece-me o coração e faz-me desviar desta grande tristeza que sinto perante a indiferença dos “donos disto tudo” perante a minha vida, que são 52 anos, totalmente, dia e noite, dedicados ao teatro.

 

Recentemente esteve com a Rita Ribeiro num espetáculo no Coliseu Micaelense. Gostava de voltar com outro espetáculo?
Adorava! Até com o “Aladino” gostava de voltar e era bem possível fazer o “Aladino” no Coliseu. Fomos muito bem recebidos, esgotamos o Coliseu, com um público entusiasmado, e esta “Lição de Amor” ainda está a ser representada por todo o país.

 

Vamos entrar em 2018. Quais são os seus grandes desejos para este novo ano?
Ter saúde, que a minha família tenha muita saúde, que as pessoas se compreendam melhor. Estamos num momento muito dramático da humanidade com muitos perigos, basta ver o que se passa com o Trump e a Coreia do Norte, Portugal com estes incêndios, com esta imensa desolação que o final deste verão nos provocou a todos. Portanto, o mundo não está fácil, a vida das pessoas está muito difícil. Eu vejo aqui quando as pessoas vêm ao teatro, já cheguei a ver pessoas com o lenço cheio de dinheiro que amealharam para comprar o bilhete, a vida está difícil para todos. Por isso, o que desejo para o próximo ano é que a humanidade encontre uma forma de olharmos os outros com mais solidariedade, com mais compreensão, com mais humanidade.