UM ENCONTRO DE ESCRITORES POLICIAIS EM GAIA

O conto que hoje se publica assinala a estreia nas iniciativas promovidas pela nossa secção de uma policiarista com um vasto lastro na decifração de enigmas policiais e de grandes e inquestionáveis recursos na produção de ficção literária. No original que submete à apreciação dos nossos leitores, que será publicado em três partes, devido à sua extensão, a autora começa por apresentar os seus personagens: alguns dos mais ilustres criadores literários e seus detetives, que foram convidados para um encontro especial a realizar em Gaia. E o anfitrião é, nem mais nem menos, o nosso Dick Haskins, que terá herdado um histórico empreendimento hoteleiro. Ora leiam:

 

CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”       

Conto nº. 7

“Uma História Inverosímil”, de Detetive Mel

I – Parte

António Andrade Albuquerque, mais conhecido por Dick Haskins, trocara Leiria por Gaia, terra da harmonia, criada por uma divindade. Herdara, de uma tia solteira e empreendedora que fizera fortuna com o negócio dos vinhos, o Restaurante Casa Branca, Avenida da Beira-Mar nº. 757 e uns terrenos à retaguarda. Com mais uns dinheiritos da venda dos seus policiais, construíra ali um pequeno hotel. Recentemente, influenciado pela notícia dos encontros de escritores, achou que poderia fazer frente à crise do turismo e ganhar mais uns cobres se promovesse uma reunião semelhante. Para isso construiu um pavilhão nas traseiras do hotel e convocou, através das redes sociais, escritores policiais e seus detetives.

Era quinta-feira, dia 4 de Maio de 2017, e Haskins encontrava-se no interior do balcão da receção do Hotel, preparado para receber os clientes. Os primeiros a aparecer foram Edgar Poe e Auguste Dupin. Haskins ficou surpreendido. Pois não pertenciam eles a séculos passados? Poe esclareceu que tinham vindo através da Máquina do Tempo. Haskins já tinha visto o filme e até tinha rido bastante…mas ficou com um ar baralhado. Poe chamou-lhe então atrasado e avisou que ia chegar uma avalanche de outros escritores que tinham utilizado o mesmo meio de transporte. Sabia ele que Dupin era o pai de todos os detetives, tendo até influenciado Agatha Christie e Conan Doyle? Who dunnit? Ficaram num quarto com duas camas, o nº 13, por sinal número do azar. Poe foi muito arrogante, agressivo, maltratou Haskins psicologicamente, mostrou falta de boas maneiras. Haskins aguentou tudo pois o cliente tem sempre razão mas, no íntimo, ficou-lhe com um certo pó.

A seguir Haskins deu a volta ao balcão, foi chamar o rececionista de serviço, que se esquivara ao seu dever e, dando largas à sua irritação, gritou: “Ó Matoso, venha para aqui trabalhar pois é para isso que eu lhe pago!”

Girando pela sala, Haskins acolheu os visitantes que chegaram. Eram realmente muitos, a maior parte não contemporâneos. Para instalar todos, teve de contactar o Black Tulip, o Novotel e o Holiday Inn, tudo hotéis de 4 estrelas. As carrinhas teriam de andar numa roda viva durante aquela estadia de quatro dias mas, à conta das gorjetas e do parlapiê à boa moda portuguesa, os motoristas não se iam importar.

Ficaram instalados no Hotel Casa Branca: Agatha Christie, Miss Marple e Hercule Poirot, o belga. Este, quando Miss Marple explicou a razão pela qual Tommy e Tuppence não estavam presentes, não quis ficar na sombra. Deu um passo em frente e apresentou-se: “Eu sou Poirot e estou aqui com todas as minhas células cinzentas”; Conan Doyle e os amigos inseparáveis, Sherlock Holmes e o Dr. Watson; Georges Simenon e Maigret; Francisco José Viegas e o seu amigo Jaime Ramos que ficaram no mesmo quarto para dividirem a despesa porque o Ministério da Cultura não patrocinava eventos; José Rodrigues dos Santos e Noronha, também juntos pois ainda tinham de decifrar algo naquela noite; Varatojo, com o seu cachimbo; Stanley Gardner e Perry Mason. Estes partilharam o quarto para cederem a Della Street o restante.

Às 19.00 foi servido um beberete. O Porto Cálem gerou boa disposição e constantes elogios.

*****

Sexta-feira, dia 5, trouxe um acontecimento desagradável: Poe foi encontrado no quarto, asfixiado por uma almofada. Dupin assegurou que se levantara cedo, que falara para ele à saída e não obtivera resposta, pensara que fazia a ressaca da muita bebida da véspera. Ficou consternado, apático, não almoçou e foi levado para o quarto dos empregados, onde dormiu todo o dia.

Haskins telefonou à Polícia e depois dirigiu-se ao Pavilhão. Já ali estavam, prontos para o encontro programado para as 10.00 horas, todos os convocados. Que fazer?

Cumprimentou, contou o que acontecera, pediu desculpa pelo facto de ser inviável o cumprimento do programa e fez uma proposta: a atividade de sexta realizar-se-ia no domingo e, na sexta-feira que decorria, far-se-ia o sightseeing agendado para domingo. Os visitantes teriam de ir sós ou em pequenos grupos. Foi feita uma votação e a troca foi aceite.

No entanto, Haskins achou-se no dever de, para além de uns mapas, dar umas dicas para a visita. Aos amantes de arte recomendou a Casa-Museu Teixeira Lopes ou o Centro Interpretativo do Património da Afurada onde os artistas do Grupo Silvarte expõem. Ainda na Afurada, aconselhou um robalo fresco, um passeio a pé pelas zonas piscatórias, ou um mergulho numa das muitas praias. Caminhando para leste, chegariam ao Cabedelo e encantar-se-iam com a imensa variedade de aves. Cansados? No Douro Marina podiam relaxar e tomar um cafezinho. Aves, mas não marítimas, podiam vê-las no Zoo Santo Inácio. Porque não uma ida ao Parque Biológico de Gaia ou inspirar o cheiro do Cantinho das Aromáticas? E, last but not least: ninguém podia perder o Mosteiro da Serra do Pilar e o Miradouro do Jardim do Morro. Este proporciona uma vista deslumbrante do Rio Douro, um rio de ouro, com os seus barcos rabelos carregados de turistas, deslizando sob as várias pontes. Na margem de lá está o Porto, com destaque para a sua Torre dos Clérigos e a sua Ribeira apinhada de turistas. Podem descer no teleférico ou no metro e passear na Marginal, ver a Capela do Senhor da Pedra num rochedo à beira-mar. Tirem fotografias, amigos! Comprem souvenirs! Vão às caves, provem os vinhos e não se esqueçam dos amigos que lá nas vossas terras ainda não provaram o precioso néctar. Somos o berço do Vinho do Porto!

(continua na próxima edição)