“UM ESPAÇO DE SENTIMENTO E DE CULTO, NÃO PODE SERVIR PARA SER UM ESPAÇO DE EXPLORAÇÃO”

A investigação sobre os cemitérios de Santa Marinha e São Pedro da Afurada continua. Joaquim Leite, ex-autarca da extinta Junta de Freguesia de Santa Marinha, falou sobre todo o trabalho que o seu executivo deixou feito nos espaços em questão e sobre como considera a atual gestão danosa. O antigo presidente de Junta considera vergonhosa a atual exploração de um espaço, que vê como sendo de respeito e saudade.

No seguimento dos dados recolhidos, o AUDIÊNCIA contactou Paulo Lopes, mas este não quis prestar declarações. Não perca os próximos capítulos que serão publicados nas próximas edições deste órgão de comunicação.

 

 

Enquanto ex-autarca da Junta de Freguesia de Santa Marinha, como vê a gestão de Paulo Lopes à frente dos destinos União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada?

A gestão da Junta de Santa Marinha e São Pedro da Afurada é danosa. Uma gestão sem o mínimo de sentido de responsabilidade, ao dirigir um povo, que sempre foi habituado a que nada lhe faltasse e a ter uma qualidade de vida pela qual nós, quando estivemos à frente dos destinos da Junta de Freguesia de Santa Marinha, sempre pautamos.

 

O Cemitério de Santa Marinha tem dado muito que falar. Sabemos que, durante o seu mandato, foi um local ao qual deu bastante atenção. Acredita que o atual executivo está a fazer jus ao seu trabalho?

Sobre o que se está a passar no cemitério, eu acho que é bastante grave. Eu acredito que um espaço de sentimento e de culto, não pode ser um espaço de exploração, para dali sair dinheiro, que, na verdade, é mal colocado. Por isso, o Cemitério de Santa Marinha, para mim e para muita gente, é uma referência. Nós, quando estivemos à frente dos destinos da freguesia de Santa Marinha, deixamos o cemitério com tudo o que era necessário e sem fazer a exploração que, hoje, está a ser efetuada aos fregueses. Quando chegamos, não havia espaço para os funcionários tomarem a sua refeição e nós fizemos um pavilhão. Também não havia espaço para se guardar os restos que, na verdade, se espalhavam pelo espaço do cemitério, nem para se guardar a viatura que andava pela rua a recolher os resíduos sólidos. O pavilhão ficou-nos muito caro, mas não o fizemos com dinheiro da Câmara, mas, sim, da Junta. Havia, também, uma casa, que era do guarda do cemitério, e estava muito danificada e velhinha. Demolimos a casa e fizemos um pequeno cemitério junto ao portão de baixo, tal como quartos-de-banho novos, com todas as condições. Foi mais um desenvolvimento no cemitério. Tínhamos uma secretaria onde só entrava uma pessoa de cada vez. Encerramos esse espaço e fizemos lá uma capela mortuária. A nova secretaria foi construída junto à entrada do portão de cima e tem, na verdade, grandes condições de trabalho. Depois, tínhamos uma Santinha que era venerada pelas pessoas de Matosinhos, da Póvoa e da Barrosa, e era conhecida como a Santinha da Barrosa. Esta estava numa campa, mas não tinha condições. Contactamos a sua família, para pedir a transladação, construímos um mausoléu e colocamos os seus restos mortais no espaço onde está, atualmente, a Capelinha da Santinha da Barrosa. Estiveram presentes padres, os seus familiares e foi uma coisa que nos deixou orgulhosos e aliviados, porque todas as pessoas que veneram a Santinha têm, agora, um espaço condigno para prestar as suas homenagens. Depois, tivemos diversos problemas para resolver. Havia o cemitério das criancinhas, conhecido como cemitério dos anjinhos, que estava abandonado e muito velhinho. Fizemos o mural, que ainda hoje lá está, com uma dedicatória minha, e 80 ossários, tantos como as campas que existiam. Em muitas campas, não apareceu nada das criancinhas, mas de qualquer forma, nós para mexermos no cemitério dos anjinhos, tínhamos de garantir aos pais, que tínhamos um local para eles colocarem lá os restos mortais dos seus filhos. Para isso foi preciso muito dinheiro e nós começamos a idealizar a Avenida da Igualdade, na qual fizemos 80 jazigos. Procedeu-se à venda do terreno e cada pessoa que se candidatou escolheu o seu marmorista. Nós não intervimos em nada. No dia da distribuição, no cemitério, juntamente com pessoas do executivo e dos vários partidos, fez-se a entrega dos jazigos mediante um sorteio. Cada um tirou de um saquinho o número do seu jazigo. O dinheiro que saiu dessa venda deu para fazer a obra do cemitério dos anjinhos. Nós fizemos uma coisa bem feita. Deixamos 40 campas totalmente construídas e emparedadas. Tínhamos quem nos quisesse comprar as campas, mas nós entendemos que não devíamos vender aquelas campas, que estavam no espaço que era, anteriormente, dedicado aos anjinhos, e que iam ficar para a eventualidade de haver uma catástrofe, ou uma epidemia, como a de agora. O atual executivo chegou, vendeu as campas todas e fez uma fortuna. Fez mais de 240 mil euros, porque vendeu 40 campas a 6500 euros cada uma. Claro que, os 6500 euros incluem a mármore, mas fê-lo e nós não ficamos contentes, porque, na verdade, desrespeitaram a nossa ideia e a das pessoas da freguesia. Além dos mais de 240 mil euros que eles [atual executivo] fizeram nas campas e não deviam, como podem verificar, eu tenho aqui uma ata, que, apesar dele [Paulo Lopes, presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada] ter negado várias vezes na Assembleia de Freguesia, está devidamente assinada, o que confirma que deixamos 222 mil e 319 euros na Junta de Freguesia. Porém, eles [atual executivo] pediram uma auditoria que apurou 242 mil e 614 euros, sendo que com o que tínhamos a receber da Câmara, de duodécimos, nós deixamos 289 mil e 319,29 euros, mais as campas que eles, depois, venderam. Dado que estamos a aproximar-nos das novas eleições e que é justo que o povo seja bem esclarecido de tudo o que se está a passar, eu acredito que é uma vergonha a Junta estar tão endividada. As pessoas deixaram de fornecer a Junta, porque os pagamentos tardavam. As instituições e coletividades são um problema que temos debatido nas Assembleias. Numa altura de pandemia, em que as instituições têm as suas despesas, não têm movimento, não têm receitas e eles [atual executivo] não fazem a Festa de Santa Marinha, a Festa da Afurada, a Festa do Candal, a Festa de Coimbrões, a Festa da Serra do Pilar, o Passeio da Terceira Idade, nem o passeio para os jovens das escolas. Se não fazem nada, para onde foi o dinheiro que se gastava nesses eventos, para não haver dinheiro para as instituições? Eu tive uma instituição que veio à minha empresa pedir mil euros, porque não tinha dinheiro para pagar a água e a luz. Eu pergunto: onde é que se mete tanto dinheiro? Onde se esbanja tanto dinheiro? Ele [Paulo Lopes] pegou no nosso dinheiro e fez uma festa com ele. É um gestor que não tem condições nenhumas para gerir. Não sei o que se passa com a Junta de Freguesia, mas claro que isto não passa despercebido perante a Câmara. O presidente da Câmara sabe bem o que se está a passar. Isto não é benéfico para o Partido Socialista, além das pessoas estarem a sofrer. Por exemplo, outro caso de má gestão que acontece, está relacionado com o advogado que tem avença na Junta de Freguesia. Numa ação, muito simples, de nove mil euros da Junta, que não chegou a ir a julgamento, o advogado da União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada, recebeu seis mil euros. Tinha de defender a ação pela avença que recebe todos os meses da Junta.

 

Tomamos conhecimento de que o Regulamento do Cemitério foi alterado. Acredita que as decisões do atual executivo têm dignificado o espaço e servido os interesses da população?

O cemitério é um espaço de sentimento, de história e que tem de ser bem gerido até porque existe o regulamento do cemitério, mas este não é claro, está muito confuso.  Uma pessoa quando compra um jazigo é para a família. Ele tem 2,60 metros de profundidade, logo dá para três pessoas e um anjinho. Nós, durante 12 anos, usamos essa política. O regulamento do cemitério diz que em campas de 1,10 metros só pode estar uma pessoa e só pode ser mexido depois de três anos. Após esse período, tenta-se fazer o levantamento. Se o corpo estiver consumido, translada-se, se não, volta a ser exumado. O atual executivo, porque foi ameaçado por um funcionário e uma funcionária da Junta, deixou de permitir ter mais do que um corpo, em cada jazigo, dizendo que durante três anos ninguém lhe podia mexer. As pessoas ficaram muito defraudadas. Há um sentimento de vida após a morte e, é por isso, que as pessoas fazem um esforço de comprar um jazigo, que é algo caro. Este executivo fez a maior ofensa à comunidade, ao não deixar sepultar mais ninguém. Claro que não pode haver profanação, mas com 2,60 metros dá para três urnas. Para além disso, existe a delegação de saúde e um delegado que pode ser chamado, para fazer essas coisas. Eu penso que é a maior desconsideração, a maior aberração que este executivo fez ao povo de Santa Marinha. Foi não deixar que as pessoas coloquem três familiares juntos. Esse senhor [Paulo Lopes, presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada] não permite que se façam os três enterramentos, mas está aqui um documento no qual ele autorizou uma pessoa amiga, a ser enterrada antes dos três anos. O cemitério é um espaço de igualdade, não pode haver amigos. Por isso, se permitiu este, tem de permitir os outros todos. Outra coisa que quero frisar e que é importante é a questão das campas do geral, que se destinam às pessoas que não têm dinheiro para comprar jazigos. Acontece, que isto já chegou ao ponto de estarem a vender essas campas, a 3500 euros cada, e mais tarde não vai haver espaço. Atenção que, essas do geral, são campas de decomposição dos cadáveres e são campas que têm de existir sempre, pois, caso contrário, podem existir muitos problemas. Por isso, não podem ser vendidas, mas estão a vender tudo para fazer dinheiro. É assim: a pessoa faleceu, vai para a campa. Passados três anos, faz-se a tentativa de levantamento, se não der, a família faz uma remissão de cinco anos e paga uma quantia bem boa. Ao fim de cinco anos de remissão, faz-se, novamente, a tentativa de levantamento. Caso o corpo ainda não esteja consumido, a família faz outra remissão. Enquanto o corpo não estiver consumido, a pessoa não é mexida. Eu tive ali problemas graves, porque havia corpos que já lá estavam há 20 anos e em sítios onde havia água e tudo. Essas campas são do geral. Agora, mal eles [atual executivo] fazem o funeral, passado uns dias, já estão a falar com as pessoas e a dizer “se calhar é melhor comprar a campa, senão daqui a cinco ou oito anos você perde a campa e o corpo tem de sair dali”. Estão a incentivar as pessoas a comprar as campas do geral, que não podem vender. Vender as campas do geral? Isso não é admissível. Não estão a administrar bem o cemitério e amanhã pode haver problemas. Eu tenho ouvido responsáveis de outros cemitérios a dizerem que já estão a enterrar as pessoas nos passeios porque não têm espaço. Isto de administrar mal os jazigos e não deixar pôr três pessoas, está a contribuir muito para isso. Eles não deixam ir as três pessoas, para o mesmo jazigo, assim sendo, vão para a campa do geral, quando gastaram muito dinheiro no seu jazigo e tinham lá lugar. É grave. Isto não pode ser assim.

 

Também é de conhecimento geral que a Junta tem vendido jazigos capela e térreos em hasta pública. Qual é a sua visão sobre o assunto?

Repito, o cemitério é um espaço de sentimento, de saudade e de história. Quem construiu um jazigo capela naquele cemitério, foram pessoas de bem e que doaram tudo ao concelho. Já se sabe que as famílias estão dispersas e a Junta, dentro da legalidade, publica editais, num jornal que não é lido, e não aparece ninguém. Ainda agora veio no Gaiense dois jazigos capela e dois jazigos térreo, mas já tinham vendido um, e isso é a maior barbaridade, a maior ofensa, que estão a fazer às pessoas que construíram aquilo. Aquelas capelas estão lá para homenagear as pessoas que as construíram. São vendidas para quê? Aquilo diz alguma coisa a quem compra agora um jazigo capela? Não. Estou a ver que, às tantas, o jazigo que lá está do Padre Alves Correia, qualquer dia, também será vendido. Eles [atual executivo], porque estão a fazer uma gestão danosa, estão a gastar dinheiro onde não devem, estão a esbanjar tudo, estão a ferir sentimentos de pessoas que deram tudo ao concelho. Eu acho que é a coisa mais grave que está ali a acontecer, é uma desfeita grande à população. Sei que há outros problemas graves ali, mas, para mim, isto da venda dos jazigos e dos jazigos capela, da venda das campas que deixamos de reserva para uma possível catástrofe, ou uma epidemia, por exemplo, agora, podia ter-se, ali, um espaço dedicado às vítimas da Covid-19. Para mim, foi a coisa mais grave que ali aconteceu. Relativamente aos 40 jazigos que deixamos, que era uma obra de grande envergadura, foi um único marmorista, através do atual executivo, que executou o serviço. Tinham de abrir um concurso público. Quando apareceu lá outro marmorista, que também faz serviços no cemitério, questionou a Junta, demonstrando vontade de participar na obra. Responderam-lhe que já não há concessões e estava tudo entregue. Ele argumentou que o preço dele era mais baixo, mas disseram-lhe que “não tem nada a ver, nós já entregamos isso”. Este indivíduo [Paulo Lopes] é mesmo um irresponsável. Como é que ele, nas segundas eleições, que ganhei com seis mil votos de vantagem, mandou alguém ir aos sacos e retirar 100 votos? Achava que eu ia ganhar com 50 ou 60. Já quando ele era tesoureiro, no mandato do Fernando Peixoto, foram-lhe retirados os pelouros. Por tudo isto, vê-se a pessoa que a freguesia tem.