AS NOSSAS FESTAS

Um ano e tal de restrições, a caminho de dois, e sabe Deus quando isto vai acabar. “Socialismo” por um canudo. Encontros a seis pés de distância têm sempre um pouco de pressa, e nunca se mete a conversa em dia. Finalmente veio esta brecha, não se sabe por quanto tempo, para se tomar um copo com o Manuel de Rabo de Peixe, que é um corisco por aquilo que faz e um mal-amanhado pelo que diz. Afinal, corisco “mal-amanhado” é a alcunha de qualquer micaelense no vocabulário das gentes das Ilhas de Baixo, principalmente da Terceira. “Japonês” também. Mas a primeira alcunha é mais limpa, e todo o micaelense gosta de ser chamado de corisco. É bem melhor do que “filho daquela raça”. E por falar em coriscos, diz o Manuel: “Raios partam estes gajos que não querem ser vacinados contra o COVID-19, porque estão atrasando a nossa liberdade sobre esta maldita praga, que tinha de aparecer em pleno século XXI para desgraça da humanidade.” Está completamente de acordo com a obrigatoriedade da vacina. E a liberdade pessoal de aceitar ou rejeitar? À sombra de muitos governos não tens escolha. Nasce um bebé, e logo lhe são aplicadas três ou quatro vacinas. Se o sistema for altamente liberal, considerando religiões e princípios, poderá ser negada parte da vacinação, mas a criança não poderá frequentar o ensino público. Afinal, que raio de liberdade é esta? Neste aspecto a visão dele clarifica que aquele que rejeita a vacina por se considerar livre não acha que que os outros o são. Pois, aí é que está: Quem não está protegido por livre vontade deve viver com condições impostas e restritas.

Vejamos o caso do tabaco: não se pode acabar com ele porque é uma das maiores fontes de receitas fiscais. Mas aos fumadores, de um momento para outro foram impostas condições. Por incrivel que pareça, em algumas cidades não se pode fumar nas ruas. Em certos Estados, quem fuma paga um seguro de saúde mais caro. Locais de trabalho proíbem o fumo de tabaco em suas propriedades, quer seja dentro ou fóra dos edifícios, incluindo parques de estacionamento. Se um indivíduo fuma não é fácil arrendar um apartamento. Quando consegue, paga mais caro. E há companhias que não admitem fumadores como empregados. Para alguns idiotas fumar cigarros é pior do que usar estupefacientes, e vamos nesta conversa.

Olho para o copo do Manuel. Está quase vazio. Pergunto-lhe de três coisas o que é mais prejudicial, só para apreciar a reação. Responde que não sabe o que é drogas, nem leves nem pesadas. Quando era novo, um amigo teimou com ele para experimentar “Maria Juanna”. Mas ele foi mais teimoso do que a teimosia do outro! Agora tem sessenta anos e nunca fumou diante do pai. Quando tinha dezasseis já bebia meios-quartilhos com o pai e com os tios. O vinho dava força – era aquele alimento que todo o homem precisava para ser Homem; e quando ia à feira, na Ribeira Grande, sem problema nenhum mamava dois  quartilhos com um prato de favas, num “instantim”!…

Falando de gente bêbada, fomos buscar a polícia para a conversa. Em que mais parte do mundo haverá esquadras de polícia com um bar no seu interior?

Hoje desconhecemos, e não vamos pôr as mãos no lume, fazendo afirmações sem ter certezas. Mas no início da década de oitenta havia um bar, com bebidas alcoólicas, na esquadra da Polícia de Segurança Pública da Ribeira Grande. Num mundo civilizado e minimamente discreto isto não faz sentido! Mas há quem pense que isto é tudo normal. Na América, pelo menos desde que aqui estamos, é crime o uso de álcool antes e durante uma temporada de trabalho. Fóra do serviço, qualquer indivíduo que seja publicamente conhecido tem que ter cuidado nos eventos em que participa. Um político se for visto numa sala festa com uma cerveja na mão, com outros amigos da pinga, não precisa nada mais para perder as próximas eleições. E vamos nesta… Cada terra tem seu uso, cada porca um parafuso.

A festa ribeiragrandense deste ano na América?

Caríssimos, longe estávamos de pensar que as reuniões fuseiras teriam pausa! Vinte e sete anos consecutivos a viver estas confraternizações fizeram com que o mês de outubro fosse mais ou menos proclamado como o Mês da Ribeira Grande na América do Norte. Deus queira que em 2022 a normalidade que tanto desejamos esteja tão normal como aquela em que vivíamos na primeira década deste século. Ao que sabemos, nenhum convívio regional foi realizado este ano, e ainda é cedo para se planear para o ano que vem eventos desta natureza, e até outros que possam juntar acima de uma centena de pessoas. Ainda navegamos num mar de incertezas. Se a pandemia não surgisse, este mês de outubro estaríamos realizando o vigésimo nono convívio, e para o ano que vem resplandeceria a trigésima confraternização ribeiragrandense da Nova Inglaterra.

Por outro lado, algumas paróquias portuguesas realizaram as suas tradicionais festas de verão, em limitadas versões, e de acordo com as normas impostas pelos governos locais, trazendo assim à gente um cheirinho de esperança de melhores dias. Outros ajuntamentos aconteceram, um pouco por toda a parte, como foi o caso do dia de Portugal, celebrado em três ou quatro cidades da Nova Inglaterra, e, claro, com reduzido número de participantes. A nível estadual, com refexos internacionais, teve lugar na passada segunda-feira, 11 de outubro, Dia de Colombo nos Estados Unidos, a centésima vigésima quinta Maratona de Boston que, como todos sabemos, foi realizada em moldes muito diferentes dos habituais. Ainda foi no outro dia que a portugalidade se fez viver por estas bandas, quando a nossa Rosa Mota cortou as metas finais. Santos tempos. Foi um momento para dignificar os portugueses, que ainda estavam sendo vistos de lado por causa do afamado caso Big Dan, de New Bedford.

Manuel perguntou-me quando eu iria a São Miguel. Por enquanto não existem planos para isso, da minha parte; e da dele muito menos. Irritou-se quando se lembrou que em pleno mês de Agosto, em São Miguel se vivia os horrores da pandemia. Mas que, em Setembro, com os resultados das eleições, as máscaras foram postas de parte, e houve beijos e abraços a mais. Em tudo e em todos! Agora já nem se fala no maldito COVID-19, e as sombras dele só alertam para a terceira vacinação…

Dito isto, Manuel foi-se embora, e a conversa ficou em meio. Teve de ir levar as sopinhas à sogra! Mas deixou-me na cabeça aquele maldito bichinho da saudade, que me fez sentir por uns instantes numa força telepática que me magnetizou em pensamento à Costa-Norte da Ilha Verde.

Por incrível que possa parecer foram surpreendentes os números divulgados de turistas em terras açorianas no decorrer do verão, e há sinais acentuados pelo outono adentro. Muito bom! Dizem os especialistas que o turismo no próximo ano será o sector mais sustentável da Região. O seu pilar.

Lélia Nunes na praça do município ribeiragrandense trouxe-nos muita alegria. Tanta, que desejámos estar na Ribeira Grande por uma hora ou duas, para a apresentação do livro “Caminhos do Divino – um olhar sobre a Festa do Espírito Santo em Santa Catarina”, aos 29 de Setembro. Temos seguido parte da escrita de Dona Lélia, há pelo menos duas décadas, através da imprensa escrita lusófona da América, e com ela temos aprendido muito. Já conversámos muitas e muitas vezes, mas nunca estivemos em pessoa frente-a-frente. Dona Lélia Nunes é a brasileira mais açoriana que tivemos o prazer de conhecer. Ela classifica-se a si própria como uma “açoriana de duzentos e tal anos”, e Onésimo Almeida acrescenta-lhe que está “muito bem conservada”!

Ficamos por aqui, hoje. Para que a saudade mais não dôa.

 

Se vais à Ribeira Grande

Conserva o teu sorriso.

Que eu, mesmo que lá não ande

Vou levar-te ao Paraíso.

 

Nas festas da minha igreja

Todo o Santo se festeja,

Com roqueiras e bombãos.

São dias na freguesia

Que pessoas e alegria

São unidos, como irmãos.