A EUROPA DA RENOVAÇÃO OU MAIS DO MESMO

No aniversário dos 60 anos do Tratado de Roma, abençoado pelo Papa, os líderes dos 27 Estados membros e das instituições da UE, reunidos em cimeira, acordaram na seguinte declaração final: «Nós, os líderes dos 27 Estados membros e das instituições da UE, orgulhamo-nos das conquistas da União Europeia; a construção da unidade europeia é algo ousado e visionário; 60 anos depois, recuperados das tragédias de duas guerras mundiais, decidimos ligar-nos uns aos outros e reconstruir o nosso continente das cinzas.

Construímos uma União única com instituições comuns, valores fortes, uma comunidade de paz, liberdade, democracia, direitos humanos, Estado de direito, uma potência económica sem níveis comparáveis de proteção social. A unidade europeia começou com o sonho de alguns e tornou-se uma esperança para muitos. Então, a Europa tornou-se de novo uma só. Hoje, estamos unidos e mais fortes, a nossa União não está desunida e é indivisível».

Uma Europa mais segura, mais próspera, sustentável, com mais coesão social e desenvolvimento económico, enfim, mais forte como actor global, será esta a União Europeia que os líderes europeus dizem defender hoje na declaração da cimeira de Roma, mas em que alguns deles não resistem ao discurso provocatório, racista e xenófobo?

Uma demonstração de união, numa altura em que desafios como populismo, nacionalismo, crise económica, refugiados resultantes das guerras impostas pelo imperialismo a que a União Europeia dá plena cobertura através da NATO, ameaçam fazer os países virarem-se para si próprios e fazer ruir algumas das ideias mestras da construção europeia?

E que acontecerá já sem a presença do Reino Unido, que na próxima quarta-feira irá accionar formalmente o pedido para os britânicos saírem da União Europeia, como resultado da vitória do brexit no referendo de 23 de junho do ano passado e a ameaça de outras deserções?

«O projecto do mercado comum, tal como nos foi apresentado, é baseado no liberalismo clássico do século XIX, segundo o qual a concorrência pura e simples resolve todos os problemas, sociais e económicos. A abdicação de uma democracia pode ser conseguida de duas formas, ou pelo recurso a uma ditadura interna, concentrando todos os poderes num único homem providencial, ou por delegação desses poderes numa autoridade externa, a qual em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, que em nome de uma economia saudável facilmente irá impor uma política orçamental e social», assim se pronunciou, em 1957 e em pleno debate sobre o Tratado de Roma na Assembleia Nacional Francesa, o antigo primeiro-ministro francês e figura de referência da resistência ao nazi-fascismo, Pierre Mendès France, que criticava assim o projecto de integração associado à então CEE, Comunidade Económica Europeia.

Com efeito, a última crise financeira internacional do neoliberalismo, iniciada em 2008, revelou as consequências danosas da submissão dos estados à finança privada e à financeirização da economia, mas mostrou também a verdadeira face de uma União Europeia que encarou a crise como uma oportunidade para reforçar os tratados orçamentais, a união bancária e as troikas, condicionando severamente as soberanias nacionais.

Portugal pagou um preço elevado por esta, como diziam na altura, integração no clube dos ricos, no pelotão da frente e no euro, este, como expressão máxima de regras desadequadas à nossa estrutura socioeconómica, está associado a quase duas décadas de estagnação, a taxas de desemprego que chegaram ao dobro do máximo histórico anterior, ao colapso do investimento, ao mesmo tempo que a dependência crescente do país se manifestou numa dívida externa, pública e privada, nunca vista, a que se associa um número crescente de sectores económicos estratégicos a passarem para as mãos do capital monopolista estrangeiro.

Hoje, procura-se travar temporariamente esta trajectória, no entanto, mudá-la a sério exige romper com os constrangimentos, nomeadamente os externos, mas também os internos situados nas elites dominantes nacionais, para assim recuperarmos os instrumentos da política económica e a soberania, pois nelas Portugal joga a sua existência como País independente.