“O FUTEBOL PORTUGUÊS É UM BARCO À DERIVA QUE BATEU NO FUNDO”

Antigo jogador de futebol e treinador de inúmeros clubes portugueses, Edmundo Duarte tem uma longa carreira ligada ao futebol. Assumindo que este é “o melhor espetáculo do mundo” e a sua verdadeira e grande paixão, apesar de, atualmente, não estar a treinar nenhuma equipa, e considerar que tal será difícil devido ao facto de “o futebol estar de tal maneira corrompido” e existir demasiada “incompetência a vários níveis”, Edmundo Duarte não esconde que o bichinho continua e que a sua vontade é continuar a trabalhar. Numa entrevista abrangente ao AUDIÊNCIA, o treinador de 68 anos, falou também do atual estado do futebol nacional, considerando que muito precisava de mudar, tanto a nível de mentalidades como de competências.

 

 

 

Como foi o seu percurso no mundo do futebol profissional?

Comecei em 1966 nos juvenis do Candal, naquela altura só havia juvenis, e logo na primeira época fui convidado para me transferir para o Porto e para o Benfica. Por razões familiares, acabei por ir para o Porto e estive lá três anos, onde fui campeão nacional, e capitão de equipa dos juniores, com idade juvenil já jogava nos juniores. Depois, ainda estive um ano nos seniores e fui para o Guimarães, passei pelo Varzim, depois acabei por ir para Angola, onde joguei e fui treinador/jogador do Recreativo de Luís, e depois joguei no Futebol Clube de Luanda a acabei por regressar a Portugal e joguei no Vila Real. Depois fui para o Leixões, Paços de Ferreira e voltei ao Candal como treinador/jogador no Candal na 3ª Divisão Nacional. No ano seguinte, fui treinar o Alcobaça na 1ª Divisão Nacional. Percorri vários clubes, a minha carreira como profissional de futebol durou cerca de 15 anos, depois começou a minha carreira de treinador no Alcobaça e passei por vários clubes como o Lamas, o Feirense, o Lourosa, o Espinho na 1ª Divisão também, mas voltei a Espinho na Divisão de Honra e também treinei o Espinho na 2ª Divisão porque passei três vezes por lá. Fui para Torres Vedras onde treinei o Torriense na Divisão de Honra, os Dragões Sandinenses, o Vilanovense em Gaia onde subi as duas equipas. Os Dragões Sandinenses, por coincidência, voltei, e voltei a subir a equipa de divisão, fui aos quartos de final eliminando o Espinho e o Estrela da Amadora da 1ª Divisão também com os Dragões Sandinenses, e só fomos eliminados nos quartos de final pelo Benfica, na Luz. Depois subi o Lamas à Divisão de Honra, e treinei o Trofense onde também fui campeão nacional na 3ª Divisão e ainda passei pelo Esposende. Foram várias equipas nestes quase 30 anos como treinador e acabei no Vilanovense, na 3ª Divisão, com um problema de saúde que me fez parar cerca de 3 ou 4 anos e depois por uma paixão muito grande que tenho pelo futebol acabei por voltar ao Vilanovense quando voltou a reativar-se e pediram para ir treinar e até subimos de divisão no Distrital. Ainda passei dois meses pelo Candal, mas sai a meio da época incompatibilizado com o presidente. Neste momento, estou sem treinar há cerca de 4 ou 5 anos, mais ou menos.

 

 

Mas por que motivo está sem treinar atualmente?

O problema é que tive de deixar naquela altura, estava a treinar o Maia nos Nacionais e surgiu-me um problema de certa gravidade, em que fui operado quatro vezes e obrigou-me a parar cerca de 5 anos, e as pessoas pensaram que eu tinha desistido do futebol mas a realidade é que o bichinho continua e fez com que me entretesse nestes clubes porque nunca na minha vida imaginei ou pensei treinar uma equipa distrital, à noite, mas o bichinho era tão forte que fez com que eu regressasse, mas não àquilo que eu pretendia. De qualquer maneira, apesar do reconhecimento geral de muita gente, penso que agora é extremamente difícil regressar porque o futebol está de tal maneira corrompido e a incompetência vive dentro dele a todos os níveis. É muito difícil voltar à atividade. Ainda tenho uma ilusão, ainda vejo a luz ao fundo do túnel de fazer aquilo que gosto, porque pensava que iria morrer dentro do campo a treinar, mas, infelizmente, não está a acontecer e, neste momento, o meu entretenimento base é ver futebol permanentemente, estar atualizado e continuar a gostar de futebol apesar de como digo o futebol português ter batido no fundo.

 

Passou por esses clubes todos, andou mais na 2ª Divisão, Divisão de Honra… nota alguma diferença notória entre estas divisões e a principal?

Na altura em que eu treinei, inicialmente, não havia Divisão de Honra, e, por exemplo, a 2ª Divisão Zona Norte era altamente competitiva e isto é tão real que eu treinava os Dragões Sandinenses e a equipa era profissional e jogamos com o Espinho da 1ª Divisão, que até estava bem classificado, e eliminamos o Espinho para a Taça de Portugal, assim como o Estrela da Amadora, treinado pelo Fernando Santos e em 5º lugar na 1ª Divisão e que na semana anterior tinha ganho ao FC Porto por 2-0, nós ganhamos por 2-1. Por isso, as diferenças não eram muito grandes e houve muitos jogadores e treinadores que atingiram patamares elevados e acabaram por chegar à 1ª Divisão, como eu cheguei. Depois de sair do Alcobaça, onde fui infeliz, de certa forma, porque o Alcobaça acabou com o presidente a ser preso e não pagavam pelo que não nos conseguimos manter na 1ª Divisão, mas fizemos uma época agradável, de bom futebol, acabei por ir para o Espinho para a 1ª Divisão também. Mas a diferença não era muito grande, o profissionalismo existia, eram equipas profissionais. Só havia uma diferença, talvez em termos de jogadores a nível financeiro, porque em termos de treinadores essa diferença não era tão grande, aquilo que se ganhava dependia da qualidade do treinador, e eu fui sempre um treinador caro, muito caro. Agora, em termos competitivos, em termos de futebol jogado, havia muita qualidade. Lamentavelmente, as associações e a Federação Portuguesa de Futebol acabaram com uma divisão que era altamente profissionalizada que era a 3ª Divisão Nacional, e criaram o Campeonato Nacional de Seniores, chamado Campeonato de Portugal que não tem jeito nenhum, e a partir daí o amadorismo, a competência e a capacidade dos jogadores diminuíram de qualidade de sobremaneira e começou muita gente a ir para o estrangeiro, incluindo grandes treinadores do nosso futebol, como o Manuel José que nunca mais treinou em Portugal, o Jaime Pacheco que foi campeão nacional em Portugal pelo Boavista e teve que ir para fora… O campeonato português, a todos os níveis, não tem interesse absolutamente nenhum para muitos treinadores e as arábias e a África acabam por atrair porque pagam muitíssimo bem e eles não querem vir para o futebol português.

 

 

Nunca pensou em ir também para o estrangeiro?

Não, tive convites para ir para a Arábia, mas eu tenho uma outra grande paixão que são os animais. Tenho cinco cães e gosto de onde vivo e não tenho espírito de emigrante. É uma situação que nunca colocaria e abdiquei de vários convites que me fizeram, mesmo ganhando muito dinheiro, abdiquei de ir para fora porque não me sentia bem. Conheço a Europa toda, mas não me seduziu nem me seduz, porque não me sentiria bem.

 

Enquanto jogador, jogava em que posição?

Jogava no meio campo, era um número 10. E na altura, em 66, o Benfica oferecia ao Candal 500 contos para eu ir para Lisboa e o FC Porto naquela altura ofereceu 300 contos. Também fui internacional júnior, pela seleção nacional de juniores, por isso, eu era uma grande promessa do futebol português mas por vários motivos, fundamentalmente quando estava no FC Porto, no terceiro ano, o Benfica quis que eu fosse para Lisboa e eu fui, com acordo do FC Porto para a transferência ser realizada, mas depois um senhor chamado Pinto Magalhães, que era presidente do FC Porto, acabou por exigir demais do Benfica e eu tive de regressar e não quis regressar ao FC Porto porque tinha capacidade para regressar e para jogar. Quase que desisti de jogar à bola mas depois apareceu o Guimarães e naquela altura havia a lei de opção e não podíamos ir para nenhum sítio sem autorização do clube, e o presidente do Guimarães era muito amigo do Pinto Magalhães e acabou por conseguir que eu fosse como empréstimo para Guimarães. Por isso, houve muitas situações que complicaram, de certa forma, a minha ascensão em toda a plenitude. Costumo dizer que era um craque, modéstia à parte, mas… por exemplo, o António Oliveira, somos amigos, e ele era suplente nos juniores do Porto e depois ficou no FC Porto e acabou por ser um dos maiores jogadores do futebol português, e, no entanto, eu era o capitão da equipa e ele suplente. De qualquer maneira, não me arrependo de nada, fiz aquilo que gostava, que isso é que é importante, fazermos aquilo que gostamos, nunca tive de trabalhar noutra área, por isso, sinto-me uma pessoa realizada e feliz, fora tudo o que aconteceu.

 

De todo este percurso de cerca de 45 anos, houve algum momento em especial que o tenha marcado?

Muitos momentos. Houve momentos muito especiais. As subidas de divisão, que são marcantes, a alegria de jogar quando jogava. Marcou-me negativamente a transição de jogador para treinador porque eu gostava de continuar a jogar e não ter o contacto com a bola e com o público e estar dentro das quatro linhas, e depois a minha paixão por treinar também foi enorme, aliciou-me de tal maneira… Nasci com esse dom porque não é fácil, para ser treinador tem de se ser fundamentalmente um grande líder para conseguir dirigir um grupo de trabalho de 20 ou 30 jogadores, e a minha felicidade é que em cada jogador tenho um amigo e foram montes de momentos inesquecíveis. As saudades são enormes, mas mais marcantes naturalmente são as subidas de divisão e não foram tão poucas quanto isso, foram sete subidas que é o expoente máximo que um treinador deseja e quer e eu consegui. E também ainda tive o privilégio de ser campeão nacional como jogador e como treinador. Que são duas situações marcantes na minha carreira desportiva.

 

Como é que viu a paragem e retoma do futebol por causa da pandemia do Covid-19, incluindo o facto de a 2ª Liga não ter retornado mas a principal sim?

Eu nunca fui de acordo que o campeonato recomeçasse depois de dois meses parados, o que nunca aconteceu no futebol. Nenhum jogador profissional nunca parou dois meses e depois jogos à porta fechada, eu costumo dizer que o futebol à porta fechada é como um jardim sem flores, por isso, nesse aspeto, também tira a beleza àquilo que é para mim o maior espetáculo do mundo. E a verdade desportiva não vai prevalecer porque independentemente de quem seja campeão e de quem desça de divisão, esta paragem teve custos e houve equipas que estavam muito bem e com a paragem, por diversos motivos, aparecem mal, e há equipas que não estavam bem e que aparecem bem. Por isso, a verdade desportiva não foi defendida, mas o negócio está acima de tudo e de todos, o dinheiro é importante a todos os níveis e é evidente que houve países mais inteligentes, como a França, Bélgica e outros, que acabaram os seus campeonatos, não houve subidas nem descidas e determinaram como campeão quem ia à frente.

 

Acha que era o que se devia ter feito em Portugal também?

Eu acho que sim, nem ia pelo campeão, em França, por exemplo, o PSG foi campeão porque concordaram que a diferença entre o primeiro e o segundo classificado era enorme. Como eu concordaria que em Inglaterra acabasse o campeonato e o Liverpool fosse eleito campeão porque já levava mais de 20 pontos de avanço. Mas o importante para mim não era por aí, não havia campeão, recomeçava-se um novo campeonato quando a epidemia terminasse e a única coisa que fariam era a classificação para a Europa, para a Liga dos Campeões e para a Liga Europa, em função de como acabou na altura o campeonato. Neste caso, o FC Porto estava à frente iria à Liga dos Campeões, o Benfica iria à pré-eliminatória da Liga dos Campeões, o Sporting e o Braga iam à Liga Europa. Mas infelizmente, quiseram que houvesse retoma mas estupidamente e incompetentemente acabaram com a Divisão de Honra, quando todos os países em que a retoma existiu a 2ª Divisão está a competir. Não se compreende porque há dois pesos e duas medidas, só se entende pelo poder se sobrepor. Não se entende que, por exemplo, na Liga de Clubes, os da 1ª Divisão têm dois votos cada um, a Divisão de Honra só tem um. Se são todos profissionais, todos deviam ter apenas um voto. Isto é a demonstração plena em que vivemos num pais em que tudo pode acontecer e que ninguém se impõe, fazem o que querem, decidem como querem, e demonstram uma incapacidade que é lamentável e triste. É como o caso da Federação, por alma de quem, sobem duas equipas, há quatro equipas, e só sobem as duas mais pontuadas. É algo que não se entende. A Federação Portuguesa de Futebol empenhou-se sobremaneira para trazer a fase final da Liga dos Campeões para Portugal, a Lisboa, num local onde a pandemia ainda existe e está complicada. É bom para o país, de certa forma, mas demonstra que o futebol é menos importante para os dirigentes, o que importa é eles serem os protagonistas. E atribuiu-se duas subidas quando havia quatro séries e quatro campeões, e as duas mais pontuadas é que sobem quando nenhum campeonato é igual. Pelo menos, os quatro primeiros de cada série, faziam um mini campeonato para disputar a subida. E depois acontece uma coisa incrível que é tanto na divisão de honra, que são profissionais, mas fundamentalmente na 2ª divisão, há jogadores que vão estar seis meses parados. E depois, muitos dos jogadores do campeonato nacional, e as pessoas têm esse desconhecimento e esquecem-se desse pormenor, é que muitos são profissionais e de que vão viver? Metade dos jogadores do campeonato nacional da 2ª Divisão, são profissionais e a Federação marimbou-se para isso e a única preocupação são estas situações que dão prestígio a eles diretores e a seleção nacional porque também lhes dá prestígio. O grande problema é que antigamente, quando exercia, os clubes tinham uma capacidade económica invulgar e a Federação e as Associações eram pobres, agora acontece precisamente o contrário. As Associações estão riquíssimas e os clubes estão a viver dias difíceis. E neste caso especificamente a Federação deveria compensar financeiramente os clubes. É uma confusão tremenda e apesar de sermos campeões da Europa, termos grandes jogadores e treinadores, o futebol português é um barco à deriva que bateu no fundo.

 

 

 

“O futebol português vive de incompetência e de pessoas que querem protagonismo”

 

Há pouco também afirmou que o futebol português estava corrompido. Porque diz isso?

Porque os interesses se sobrepõem. Bateu no fundo, há um fanatismo incompreensível, a incompetência assumiu-se a todos os níveis, a nível de dirigentes, incluindo treinadores, qualquer um. Sem clubismos e sem inveja, a classe de treinadores é uma classe sem classe. O futebol português vive de incompetência e de pessoas que querem protagonismo, normalmente não vêm para servir o futebol, mas sim para se servirem do futebol. E isso é que é lamentável. É como a questão das SADs, se formos a Inglaterra ou à Alemanha e perguntarmos quem é o presidente de algum clube ninguém sabe, em Portugal os presidentes é que estão na moda, dão entrevistas e só se fala deles. São os maiores e têm a mania de mandar em tudo. Por exemplo, no futebol de alta competição a sério, em cada clube os presidentes escolhem um manager, um diretor desportivo, que tem uma verba disponível e ele é que vai decidir quem contrata como treinador, e conjuntamente com o treinador dá plenos poderes para ir buscar os jogadores que deseja. Aqui é uma promiscuidade entre os presidentes e os empresários, que compõe os planteis, e os treinadores em vez de se imporem, serem voz ativa e dizerem determinadas verdades, neste momento, o único treinador em Portugal que diz verdades e fala abertamente sem pruídos, é o Vítor Oliveira do Gil Vicente. É o treinador talvez mais velho do campeonato nacional e é ele que fala sem medos e sem receios e diz as verdades, enquanto os outros calam e aceitam. É como os treinadores sem curso, não tenho nada contra os treinadores sem curso, mas eu pergunto-me, um aluno do 3º ano de medicina vai dar consultas e operar? Não faz sentido. Um treinador que não tem um curso, no futebol português os presidentes é que decidem, vai para o banco e é treinador de uma das grandes equipas, e contornam a lei? Como é que é possível que haja treinadores que gastam fortunas para tirar o 4º nível, que dá direito a treinar a 1ª Divisão, são cerca de 7 mil euros e em Portugal tirar este curso demora mais, é mais complicado e mais caro que tirar um curso de medicina ou engenharia. Não se compreende. Na Escócia, em Inglaterra, para tirar o 4º nível, num ano consegue-se. Aqui demora-se quase 10 anos. E isto é tão caricato e ridículo que, por exemplo, o Mourinho quando esteve desempregado antes de ir para o Tottenham, não podia treinar nenhuma equipa em Portugal porque não tinha créditos, pela lei não podia. Houve uma altura em que o Jesualdo Ferreira voltou do estrangeiro e treinou o Sporting, e por causa dos créditos também teve de ir para o banco como diretor e não como treinador. Somando tudo isto e outras situações, leva-me a dizer que o futebol português, neste momento, é uma vergonha nacional.

 

Mas não vê melhorias a curto, médio prazo?

Eu não vejo porque as pessoas são sempre as mesmas, os presidentes dos clubes não tomam posições, não sabem ser dirigentes, as decisões tomadas em assembleias gerais de Federações e Ligas, quem vence são os clubes e querem manter isto desta forma. Os presidentes dos clubes é que mandam no futebol português e são presidentes que na minha perspetiva, e querem mandar também no futebol jogado, querem ter a competência de descobrir talentos como treinadores, como aconteceu no Benfica que descobriu um talento como treinador e depois ficou desiludido. O presidente do Benfica achou que o Lage era o melhor treinador do mundo, depois foi o presidente do Braga que descobriu um e depois descobriu outro, o do Sporting, nunca em Portugal aconteceu uma coisa destas, o presidente que é bom rapaz, médico que devia exercer medicina e não estar no futebol, vai dar 20 milhões por um treinador, que foi a proposta mais alta de sempre de um treinador no futebol português, e isto acontece no futebol português e as pessoas assistem a estas situações calmos e serenos e só se preocupam com as equipas com que são adeptos ganhem. Se não ganharem é que é uma chatice e viram-se uns contra os outros.

 

Não vê melhorias, então, para os próximos anos?

Infelizmente não. Vejo futebol português porque tenho curiosidade, naturalmente, mas não sou de nenhum clube, sou pelo futebol, pelo espetáculo fundamentalmente e sou um adepto ferranho do campeonato inglês, do alemão, do espanhol… e prefiro ver um jogo do campeonato inglês do que o português. Esta é a realidade. É evidente que há sempre uma curiosidade dos treinadores de, principalmente em relação ao FC Porto, Benfica e Sporting, assistir aos jogos, mas se houver outro jogo eu prefiro ver. E a revolta é tremenda. Eu digo verdades, e a única maneira que tenho é através do Facebook, e de vez em quando digo algumas, porque é o que sinto e acho que a verdade tem de se dizer abertamente, sem clubismos, não tenho clube, defendo fundamentalmente o futebol. O futebol para mim continua a ser, como já referi, o maior espetáculo do mundo e é uma pena, lamentavelmente, somos campeões da Europa, temos o melhor jogador do mundo ou um dos melhores do mundo, na formação e nos campeonatos nacionais fazemos sempre boas campanhas e incrivelmente no futebol de adepto, nos nossos campeonatos, é miserável o que se passa. Incluindo árbitros que é outra das situações que me custa sobremaneira que esteja a acontecer, porque errar é humano e claro que a verdade desportiva tem de ser defendida, mas às vezes um dedo do pé invalida um golo.

 

Então não é muito a favor do vídeo árbitro?

Seria a favor do VAR se as decisões, e houvesse uma comunhão de interesses e de decisões tomadas, e que fosse rapidamente decidido. Eu não compreendo como é que em caso de centímetros num fora de jogo, no futebol desde que o futebol é futebol, o fora de jogo, em caso de dúvida, deve-se beneficiar a equipa atacante.

 

Acha que o futebol perdeu um pouco com a introdução do VAR?

Acho que sim. Há situações que se justificaria, como um lance altamente duvidoso na área, de ser ou não uma grande penalidade, agora, por exemplo, recuar para ver um fora de jogo, traçar linhas e às vezes é por 10 centímetros, não se entende. Devia haver uma lei estabelecida em relação ao vídeo árbitro, que até 15 ou 20 centímetros o golo era válido. Agora, atira-se com estas experiências, mas o grande problema é que se perde minutos e minutos nessa situação, mas se virmos no futebol inglês, as decisões dos árbitros, normalmente, é que prevalecem e são muito mais rápidos nas decisões. No campeonato alemão acontece o mesmo e o futebol não perde tanto encanto. E depois há outra coisa que é fundamental que não se fez e que se devia ter feito, porque as pessoas que vão para o VAR deviam ter cursos, especializar-se nessa situação, e não ser um árbitro que normalmente atua no terreno que vai traçar linhas, isso é para os engenheiros. Devia haver uma preparação maior para que quem fosse para o VAR tivesse uma capacidade acima da média para analisar situações e ser extremamente rápidos. Só não seguimos as coisas boas dos outros países por exemplo como é que se compreende no nosso campeonato, não seria muito mais competitivo na I Divisão descerem três equipas, o campeonato duraria até ao fim porque três equipas a descer tornava-se mais competitivo, e na Divisão de Honra, chega-se a determinado momento e duas equipas distanciam-se e o campeonato perdeu o interesse, porque é que não são três? Em Inglaterra e na Alemanha é isso que acontece.

 

Considera que Portugal devia aprender com os outros países é isso?

As coisas boas deviam ser seguidas e as más evitadas, e nós preocupamo-nos em seguir coisas que não interessam e acabamos por cometer erros que não são admissíveis. E também é importante que se diga que nós em termos de público nos estádios, a não ser quando joga Benfica, Porto e Sporting, os estádios estão completamente vazios. E lá fora é totalmente o oposto, os campos estão cheios e o espetáculo é outro. E mesmo com a pandemia em Portugal, as chamadas equipas pequenas que jogam em casa, poderiam muito bem, o seu público, que não são mais que 1000 ou 2000 pessoas, assistirem ao jogo.

 

Acha que há uma diferença muito grande entre os três grandes, quatro incluindo o Braga, e as restantes equipas?

Em termos económicos e financeiros a diferença é abismal, os orçamentos são totalmente diferentes. Mas em termos de apoio, só temos quatro ou cinco equipas em Portugal que os seus estádios enchem, que é o caso do Guimarães onde joguei e o público enche e vivem aquilo. O Braga igual, e depois os três grandes claro. Neste momento não há mais nenhuma equipa que consiga ter uma massa associativa fiel ao seu próprio clube. Por exemplo, o Tondela, a maior parte dos associados são Tondela e Benfica, outros Tondela e Sporting, por isso, o grande problema é este. E se houver um jogo, por exemplo, Tondela x Paços de Ferreira, vemos na televisão e estão 300 ou 400 pessoas a ver o jogo. E depois os direitos televisivos é outra coisa que tem de ser revista para dar maior competitividade ao nosso campeonato, é os clubes receberem, como acontece em Inglaterra ou na Alemanha, equivalente ao que os outros recebem. A diferença entre o que as televisões em Portugal pagam a Benfica, Sporting e Porto é abismal em relação às outras e essa discriminação é incompreensível. Mas, mais uma vez, os interesses falam mais alto e sobrepõem-se ao que na verdade devia acontecer. E é isto que entristece quem gosta e está atento aos pormenores do futebol. O importante é ganhar, todos querem ganhar e os outros não querem descer de divisão, esta é a realidade. Depois há duas ou três equipas que lutam pelas competições europeias e o resto é paisagem. E muda-se de treinador como se muda de camisa, a preocupação máxima é a formação e fazer cláusulas de rescisões que uma pessoa não entende.

 

Acha que os treinadores também são um bocadinho mal vistos no futebol? Não considera que por vezes não têm o respeito merecido?

A questão é essa. Quando comecei como treinador tínhamos um exemplo, um líder de classe, que para mim era o mestre dos mestres, que era o José Maria Pedroto, que era o presidente do Sindicato dos treinadores, e que era um líder por natureza e impos regras no futebol português que os treinadores e os nossos contratos que nos permitiam decidir como e o que devíamos fazer. E em termos financeiros o treinador tinha de ser o homem mais bem pago do plantel, prémios a dobrar e um sem número de coisas, e na hora de conflito e que as verdades eram ditas, ele era o primeiro a assumir publicamente o que estava bem e o que estava mal. Os presidentes só tinham de gerir o clube. Há um exemplo flagrante, de uma situação em que o José Maria Pedroto é selecionador nacional e numa assembleia geral da Federação decidem que os treinadores desempregados para entrar nos campos tinham de pagar, e ele naquela altura disse que se a lei fosse para a frente que se demitia. E a verdade é que a lei avançou e ele demitiu-se como selecionador, deu o exemplo. Ele era um exemplo para todos os treinadores e neste momento não vemos, por exemplo, o Mourinho que podia ser um líder da classe, e os treinadores que estão nos grandes clubes, o grande problema deles nas conferências de imprensa é falar dos jogos, da arbitragem, de culpar os jornalistas de notícias que saem, dizerem coisas sem interesse nenhum enquanto não dizem aquilo que deviam dizer em relação ao que se está a passar no futebol português. O palco é deles, é-lhes permitido todas as semanas falar, e eles deviam focar-se no que fazem e na verdade do futebol português.

 

Mas acha que o problema é dos treinadores ou de uma mentalidade que já está formada no futebol?

É de uma ideia pré formada que existe no futebol na realidade mas os treinadores são os homens que vivem por dentro e que entendem o que é o fenómeno e que sabem o que está bem e o que está errado, e deviam desmascarar, falar abertamente sobre as coisas e esclarecer as pessoas e o público em geral. Porque é que os treinadores que ainda falavam das coisas já não estão cá? Mas a nossa classe não tem classe e o que querem é estar, não interessa como, estão a qualquer preço. Em muitas situações aceitam ordenados que já não se usam só para treinarem, e isso acontece a níveis gerais. E depois compram-se SADs, e em vez de quando as coisas correm mal, eles piram-se e deixam os clubes. Devia criar-se leis que quem compra a SAD de um clube devia ter responsabilidade e deixar o clube tal como o encontrou. Devia haver uma maior regulamentação neste setor. Há muitos casos, como o Salgueiros ou o Alverca, o Farense inclusive.

 

Quais as perspetivas que tem para o seu futuro, quer a nível pessoal e profissional?

Ainda sonho e aguardo pacientemente que surja um convite que me agrade sobremaneira e voltava porque a paixão é muito grande. Gostava de voltar ao futebol e não escondo isso, que alguém que não tivesse memória curta, porque os currículos são importantes e a experiência também, mas velhos são os trapos e o que vale é a competência. Não estou contra os jovens, mas há espaço para todos e o que tem de valer é a competência. Mas não nego que muitas vezes sonho que me estão a bater à porta para me convidar para um projeto giro e que volto ao futebol, mas sinceramente é improvável que isso aconteça porque as pessoas são de memória curta, o currículo, a competência e a experiência no futebol português infelizmente conta pouco.

 

Mas estaria disponível para um clube de Gaia, do Porto, ou de outro local?

Desde que fosse um clube que me desse as mínimas condições para eu poder desempenhar e estar em atividade, porque o que costumo dizer, e é a grande verdade, parar é morrer. Não estou arrependido de nada, sinto-me realizado pelo que fiz e fui, fiz sempre o que adorei, na minha perspetiva o futebol é uma escola de virtudes, mas ainda sinto que tinha capacidade e condições anímicas, psicológicas e físicas para voltar à atividade.