“QUANDO FAÇO ESPETÁCULOS, NÃO OS FAÇO PARA OS CRÍTICOS, FAÇO PARA O PÚBLICO”

A paixão pelo teatro musical levou Fernando Tavares a criar a Plateia D’emoções, uma empresa de produções artísticas. Cinderela, Pinóquio, Feiticeiro de Oz, e, agora, Via Crucis são algumas das peças produzidas.

Em conversa com o AUDIÊNCIA, Fernando Tavares falou sobre a paixão pelo teatro, o Via Crucis, o mundo artístico e projetos para o futuro.

 

 

Antes mais, como surgiu a paixão pelo teatro?

Há muitos anos e, sobretudo, o teatro musical. Há tanto tempo como se calhar a idade das minhas filhas ou até muito mais do que isso. Tive o privilégio de fazer parte de uma pequena orquestra que tocava para o Jesus Christ Superstar da Academia de Música de Vilar do Paraíso, e, a partir daí, surgiu a oportunidade de fazer com um grupo, que dirijo há 28 anos, uma adaptação do Godspell e ,também, fizemos o Ele Pagou por Nós, numa versão mais pequena do Via Crucis. Depois, profissionalmente, a minha vida deu uma volta e dediquei-me à produção de musicais. Há 3 anos, surgiu a Cinderela, que ainda está em itinerância, depois surgiu o Pinóquio e,entretanto, surgiu o Feiticeiro de Oz. Este é um musical com o Artur Guimarães na música e na composição, a Liliana Moreira nos textos e toda a encenação e cenografia e figurinos foi tudo produzido pela Plateia D’emoções. Depois apareceu a ideia do Via Crucis que não é mais do que uma alteração de uma pequena via sacra que existia que se chamava Ele Pagou por Nós. Nós pegamos nessas músicas e orquestramos de uma forma diferente. O André Ramos dedicou-se à música e a Liliana escreveu o texto propositadamente para este espetáculo, que foca a atenção num problema social que é os sem-abrigo. Sobretudo, é uma mensagem de esperança, de que é possível mudar isto e é possível fazer coisas com essas pessoas. Podemos integrá-las na sociedade, podem ser ajudadas e ,depois, podem fazer o seu caminho. Já sabemos o que vamos fazer para estrear neste Natal e na próxima Páscoa. Posso dizer, em primeira mão, é que será, em princípio, totalmente feito pela Plateia D’emoções, pela sua equipa criativa. O tema será conhecido mas não agora (risos).

 

Como surge a inspiração para decidir qual a peça que se produz?

Eu não sei dizer como. Sou eu que que tomo essa decisão. Acordo um dia de manhã e digo “é isto” e depois tentarei fazer. O Feiticeiro de Oz foi uma inspiração do momento. Vi passar o Artur que tinha um musical na mão e pensei “porque não hei-de utilizar?. Falei com o ele e chegamos a acordo relativamente aos direitos de autor. A inspiração surge quando acordo de manhã e digo é este o musical e tem que ser. Até hoje, não me enganei. Mas, poderá haver um dia que me engane. Estava com algum receio de fazer o Via Crucis porque é um musical diferente. É um musical muito forte, intenso e emotivo mas não é duro, nem violento.

 

Foi uma aposta em grande de produzir o Via Crucis porque é completamente diferente do que a Plateia tem vindo a fazer… Cinderela, Pinóquio e Feiticeiro de Oz são contos infantis. Qual a razão desta mudança?

Foi o querer fazer. Normalmente, em Portugal, o teatro musical é só no Natal porque se vende bem. A aposta desta altura do ano é para podermos, sobretudo, fazer com que os nossos atores possam mostrar o seu trabalho durante todo o ano. A Plateia D’emoções gostava de dar trabalho contínuo aos seus atores, mas não é possível devido às condições económicas que o país atravessa. A cultura é a última coisa no qual se aposta, mas, pouco a pouco, vamos conseguindo fazer alguma coisa. A escolha do Via Crucis foi porque acho que é um tema, apesar de partir de uma base religiosa, que pode ser visto por qualquer pessoa. Pode ser visto das mais diversas maneiras. Se formos um católico praticante, vemos de uma maneira. Se for um ateu, vê de outra. Se for um protestante, vê de outra forma. Uma criança e um jovem têm interpretações diferentes. Penso que isto foi conseguido através quer da música, do texto, da iluminação, da cenografia, das coreografias e da encenação. Está tudo no ponto. Mas, não quer dizer que esteja perfeito. O nível de qualidade vai aumentando de musical para musical, o que torna as coisas mais difíceis. Com cada musical temos sempre que ir exigir mais. Não será fácil… Acho que estamos num bom caminho com bons atores, bons bailarinos,bons cantores, bons técnicos, e bons criativos. As pessoas poderão não gostar do que veem, mas não podem dizer que não tem qualidade.

 

O Via Crucis contrabalança a história entre os sem-abrigo com o caminho de Jesus até ao Calvário. É importante haver este cruzamento destas duas realidades?

Sim. Foi sempre a minha ideia haver estas 2 realidades no palco. Às vezes são um bocadinho contrastantes, outra vezes parecem que não fazem sentido, mas isso é o que menos importa aqui. O que importa aqui é que cada música tem uma mensagem. Quando é musical é como se todos eles se transportassem para aquele tempo. Um musical é isto. Temos a parte dialogada que é basicamente uma mensagem de teatro e, depois, passa para a parte musical que é fantasia. A fantasia aqui é muito real mas não deixa de ser uma fantasia. Os sem-abrigo transportam-se para a altura em que o Cristo está, transmitem a mensagem que têm que transmitir e, quando acaba a música, passamos para a mensagem real.

 

É complicado manter um espetáculo desta dimensão?

É muito difícil. Sobretudo, quando depende única e exclusivamente de ter pessoas a assistir. Não é fácil. Eu tenho tido a felicidade de o público começar a gostar dos nossos espetáculos. O Via Crucis é uma experiência porque as pessoas não estão habituadas. No Natal tudo se vende. Já na Páscoa é diferente. Mas penso que é uma aposta ganha. Precisávamos de ter um teatro. Gaia, infelizmente, não tem um teatro. Não tem uma casa que se possa dizer que é um teatro. Tem o Auditório de Gaia, que está muitas vezes ocupado, e que,eventualmente, poderia servir um pouco, mas não é um teatro. Acho que que o poder político tem que ter um pouco de atenção. Isto é um desabafo, não é uma crítica, porque eu só tenho que agradecer à Câmara e à Junta de Freguesia de Gulpilhares e Valadares por todo o apoio que nos têm dado a nível logístico. Há outras produtoras também que fazem bons trabalhos e não têm um sítio para os apresentar. O Porto tem alguns teatros que estão ou degradados ou ocupados com outro tipo de arte. Não há nada em Matosinhos. Não há na Maia. Quer dizer, há o Fórum da Maia mas que não é um teatro, apesar de muitas vezes o usamos como tal. Em Gaia, penso que o poder político tem que começar a perceber que há potencial e talento na cidade, e, um desses sítios é a Academia de Música de Vilar do Paraíso, porque muitos dos nossos atores vêm de lá e outros estão já, em Lisboa, a trabalhar em grandes peças de teatro musical. É preciso que o poder político comece a olhar para este pequeno nicho cultural, sendo que a cultura não se resume só a teatro musical, mas, o teatro musical ainda é posto muito de parte.

 

 

É complicado manter um espetáculo. E uma empresa?

Muito mais. Uma coisa é quando se fala de uma companhia de teatro, outra coisa é quando falamos de uma empresa. Nós não deixamos de ser uma companhia de teatro, mas pagando as suas contribuições. Enquanto empresa, temos que pagar os impostos, e posso muito facilmente fazer essas contas, Nós, de um bilhete de valor, por exemplo, entre os 10 e os 12 euros, cerca de 50% desse valor é para impostos de Segurança Social, seguros, taxas de juro, direitos de autor, e muito mais.. Ficamos, mais ou menos, com 40% de um bilhete do qual temos que pagar aos atores,aos técnicos e à produção. É muito difícil. Conseguimos manter a empresa a funcionar com a boa disponibilidade dos atores para cobrarem cachet mais baixos, disponibilidade dos técnico e da produção em reduzir os custos ao mínimo para podermos avançar para a frente. Só mesmo com a boa vontade de toda a gente.

 

O elenco é bastante jovem e muitos deles acabados de sair dos seus cursos. Como é a convivência entre os atores e o Fernando, tendo já o Fernando alguns anos de experiência no mundo artístico.

A convivência é boa. Eu não tenho nenhuma formação em teatro. A minha formação é numa área completamente diferente. Tudo o que faço é à minha responsabilidade. Se correr bem, sou muito bom, mas se correr mal… É como os treinadores de futebol. O que é certo é que tenho pessoas comigo que fazem a ponte. Estamos a falar da Mafalda com a direção de atores, a encenação e as coreografias. Depois, tenho a Cátia que faz a ponte com toda a parte de produção, apesar de também ser atriz. Toda a parte técnica, neste caso concreto, é do André, que também conheço há alguns anos. Há aqui um conjunto de coisas que se encontraram e que fizeram que isto corresse bem. Eu tenho muita abertura, apesar de ser mais velho. Claro que quando não gosto de alguma coisa, não se faz, mas, outras não queria fazer e depois fizeram-se. O processo criativo vai-se moldando. Quando começamos com uma ideia que faz um quadrado, esse quadrado, ao fim de um tempo, não é bem um quadrado já é um retângulo ou um losango. Se entramos num processo criativo com esta ideia e queremos sempre esta ideia, no final, não vai correr bem. O nosso processo vai-se moldando às pessoas, às disponibilidades delas, às qualidades dos técnicos, e à disponibilidade dos criativos. São dois meses de trabalho na maior parte das vezes e temos pessoas que vêm de Lisboa e de Coimbra porque gostam de trabalhar connosco.

 

Quer para os produtores quer para os atores, viver só do teatro é difícil?

Sim, muito. A nossa empresa não vive só única e exclusivamente do teatro. Fazemos pequenos workshops na nossa Oficina das Artes, ao longo do ano. Vamos fazendo pequenas coisas que permitem que tenhamos outras entradas. Neste momento, temos 4 peças em itinerância. Mas não chega. É muito difícil. Se não fosse alguns trabalhos extras era impossível. A ideia é criarmos uma continuidade de 2 ou 3 semanas de workshops de teatro musical,no verão. Vamos abrir também workshops de televisão, porque temos uma realizadora que está disponível para isso, e também workshops de técnicos de iluminação e de som. Vamos criar aqui um movimento. Alugamos também a nossa sala para bandas ensaiarem lá.

 

Com estas dificuldades todas, o sonho do teatro perde-se?

Se calhar já estou numa idade, em que tenho os filhos já criados, e, por isso, sonho um pouco mais. Eu, pelo menos, quanto mais velho estou, mais louco ficou, mas é uma loucura saudável e controlada. O teatro musical tem pernas para andar, em Portugal. Neste momento, há muitos focos dispersos. Acho que quando esses focos todos começarem a juntarem-se, pode-se criar aqui um movimento de teatro musical, em todo o país. Não ao nível da Broadway ou do West End em Londres, mas já uma coisa muito contínua, em que o público poderá ter, ao longo do ano, várias escolhas para poder ir ver.

 

Isso é uma das coisas necessárias mudar no mundo artístico?

Todas as equipas que fazem parte dessas produtoras têm que se moldar, e, ao mesmo tempo, as produtoras têm que apresentar coisas para o público. Estarmos a fazer coisas de qualidade e obrigar as pessoas a gostarem, acho que não é bom. Pouco a pouco, podemos fazer isso. Mas numa primeira fase, não é bom. Nem para o teatro, nem para o teatro musical, nem para a música. Se apresentarmos coisas más, as pessoas habituam-se a ver coisas más. Se as habituamos a ouvir/ver coisas com qualidade, pouco a pouco, vão começar a ser mais exigentes e vão querer ver coisas melhores, independentemente, se é clássico, se é erudito, se é popular. Isso não interessa… Tem é que ser bom e ser bem feito.

 

É necessário consciencializar as pessoas a apreciar ainda mais a cultura?

Apreciar cultura e saber que têm que pagar por ela. Eu costumo dizer aos meus atores que eles são os primeiros culpados se as pessoa não derem valor. Já ouvi frases deste tipo “o que é que tu fazes?” “Sou músico” “ Está bem, és músico. Mas, o que fazes mesmo?”. As pessoas não acreditam que existe uma profissão que é ser músico, que existe uma profissão que é ser ator, fora os atores da televisão, ou bailarino. As pessoas acreditam que isso não é uma profissão, mas sim, um hobby. Existe também um hobby, que é o teatro amador. Mas, existe outro tipo de profissionalismo que não está relacionado com televisão e que se faz em todo o país e, não só, em Lisboa. As pessoas têm que se habituar a isso e pagar por isso.

 

Projetos futuros da Plateia D’emoções…

Vamos continuar com o teatro musical. Vamos brevemente lançar os dois musicais e teremos algumas surpresas na área da música. Iremos apostar nos workshops de verão.

 

Lema da vida…

Este não é da vida, mas sim, da minha vida como produtor. Eu quando faço espetáculos, não os faço para os críticos, faço para o público. Este é o meu principal lema na empresa. Quando crio qualquer coisa é para o público e isso não implica que não tenha qualidade, muito pelo contrário, obrigada-me a ter mais qualidade. Agora para os críticos não faço. Podem-me chamar popular. Os Beatles eram populares e toda a gente quase que os adora. O popular não é “populuxo”. Popular é uma, coisa “populuxo” é outra. Não faço por fazer. Tudo o que nós fazemos, fazemos com intenção de fazer bem feito.